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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

E o que o Natal quer dizer para mim?

Para mim, mesmo? Não tem significado. Melhor dizendo, existe um significado vazio, que não completa.

É fácil ser amistoso, ser amigo, leal e companheiro, amar a família, querer o bem a todos nessa época. Muito fácil ser coração aberto durante um dia. E essa sua humildade e benevolência de Madre Teresa está presente durante todo o ano?

Nada me aparece mais falso do que o famoso "espírito natalino". Então quer dizer que, durante 364 dias, eu posso foder com a sua vida, ser um mascarado que não te cumprimenta e, no Natal, te abraçar como se fosse seu melhor amigo íntimo? Amigo, na boa, vai te foder.

Leve com você esse "espírito natalino", que mais parece "espírito de porco". Coma seu peru, encha a sua boca de farofa, engula o seu vinho. Mas não venha vomitar tais impropérios e sandices na minha cara. Que eu não sou obrigado a compactuar com isso.

Natal é a minha época de fossa voluntária. Eu me permito, voluntariamente, a ficar deprimido. Tenho algumas razões que podem explicar isso, mas não vou enumerar tudo porque posso parecer prolixo. Mas são duas os principais motivos de eu condenar o Natal e considerá-lo a pior época para mim:

- É no Natal, uma época que deveria ser reflexiva e pensativa, que utilizamos das nossas cognições apenas para escolher o melhor presente ao nosso amigo oculto e/ou familiar. Os shoppings ficam insuportáveis, as ruas do Centro ficam intransitáveis, fica tudo uma correria descambada. E para que isso tudo? Porque não se pode passar o Natal "em branco". Ou seja, a representatividade do ato de dar um presente ultrapassa a necessidade da reflexão da data. Eu fico mais preocupado com o presente que vou dar que com a data em si. Eu preciso, dessa forma, alimentar o meu ego e dizer "olha, é o melhor presente que pude comprar para você", como se apenas a presença da pessoa já não fosse importante...

- E é falando em presença que entro na segunda razão de odiar Natal: família. Não, não odeio família, a questão é que não tenho convivência em família numerosa, com primos, tios, sobrinhos e etc., como acredito que grande parte de vocês têm. Meus parentes dificilmente saíam das casas deles, situadas a 200 km da minha cidade de nascimento, para me visitar independentemente da época. Posso contar nos dedos quais deles vieram quantas vezes aqui - e, em contraponto, a gente ia mais vezes vê-los do que eles iam nos ver. A balança acabava desequilibrada. Com isso, posso dizer com segurança que não tenho uma convivência familiar tal qual aqui estabelecida - tive, durante infância e adolescência, ausência de primos e tios. Ausência no sentido macro, de não poder contar com eles assim, rápido, como se fossem vizinhos ou integrantes da sua comunidade, do seu lote, do seu bairro. E Natal, geralmente, é coisa de família grande. Vejo as pessoas fazendo mil e um malabarismos para estar perto dos entes queridos nessa época... E eu fico indiferente a isso. Não me movo e não moverei para isso.

Por mim, poderíamos passar direto para o Ano Novo. Porque Réveillon, sim, é festa. É virada de mesa. É felicidade coletiva. É catarse coletiva. Natal, para mim, é algo tão sem graça que eu facilmente vivo sem. Não preciso de presente, não preciso de participar de amigos ocultos - participo mais por consideração aos amigos queridos que os articulam, mas não sinto nenhuma vontade de eu mesmo puxar algum -, não quero lembrar que essa data existe. Não quero. Já me basta toda a deturpação pela qual a data passou, não me obrigue a curtir algo que não quero. Se você gosta de Natal, fique à vontade para (de uma maneira verdadeira ou beirando à falsidade) postar as fotos da ceia, de você com seus "parentes queridos", com os "amigos queridos", com os "namorados queridos", com os "queridos" que você vive xingando e amolando durante o ano, mas não no Natal. Porque Natal é "amor", é "perdão", é "perdoar o que se fez durante o ano", é "rever os queridos", é "abraçar a todos". É, é sim. Eu sei que é. Tanto sei que não acredito nesse sentimentalismo todo. Pode me chamar de rude, de grosso, de insensível. Foda-se o que você acha, estou apenas sendo sincero.

Natal, para mim, é o ápice da hipocrisia à qual qualquer ser humano pode chegar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Preparações para 2014

Acredito eu que esse será o primeiro de uma série de posts que irão premonitoriamente prever o futuro de 2014. Mas não é feitiçaria nem precisa da Mãe Dinah. Só dar uma olhada nas notícias que saem para podermos traçar, com uma margem de erro pequena, o que se pronunciará no próximo ano.

E a Folha já deu a primeira pista hoje, dia 5 de novembro de 2013. Isso, ainda estamos (este post foi escrito) em 2013, no final do ano de 2013, e já mostra o que grotescamente se pronuncia para o Ano do Brasil na Copa. Ou o contrário.

Se não, vejamos. Estou lá tranquilo, navegando pelo Facebook, quando a postagem abaixo me salta aos olhos. E fá-los arder.

De vândalo a stripper, conheça a vida do rapaz que supostamente perdeu tudo por causa dos protestos de junho de 2013. Hoje, no Globo Repórter.

Como diz um blog que eu costumava ler, não acredite em mim.

Não, gente, o problema não é o cara ter virado garçom e stripper (não necessariamente ao mesmo tempo, mas...). Cada um faz o que quer da vida. O que quero chamar a atenção é para o destaque que a Folha deu ao rapaz - que, não sei se vocês se lembram, foi aquele que apareceu em rede nacional, sozinho, depredando a fachada da Prefeitura de São Paulo. Esquisito porque esse tal Ramon é aquele cara que ficou SOZINHO quebrando a Prefeitura de SP, recebendo holofotes da mídia e sem QUALQUER intervenção policial. Entrou ao vivo na TV e etc. E ninguém da PM de SP interviu. Lembram agora de quem estou falando? Busquem na memória, o Complexo de Dori não pode agir tão forte assim no seu cerebelo.

Quem é de Comunicação sabe de um negócio chamado Semiótica, que eu gosto de chamar de "o estudo das entrelinhas". E recorrendo à Semiótica para perceber nuanças nessa matéria, uma das coisas que me saltam à vista é a foto usada na reportagem. Não é uma foto meramente ilustrativa, mas é produzida. Tem spots de luz ao fundo. Há uma iluminação de baixo para cima que revela o rosto de uma forma diferente. Fiquei me perguntando o porquê de tanta produção para uma foto sobre um rapaz que foi preso nas manifestações e que virou garçom.

Oras, tem muita gente (de black bloc a """""vândalo""""") que ficou na mesma situação de Pierre: foi preso, respondeu ou está respondendo inquérito e segue com a vida. Tem tantos outros """""vândalos"""""que foram presos aí e que não tem sequer um espaço, uma linha, nas grandiosas mídias para colocarem seus pontos de vista. O tal Pierre Ramon teve uma reportagem inteira. Por que existe um destaque para o Pierre e não se destaca os outros """""vândalos""""" que também participaram quebrando a Prefeitura de São Paulo em junho?

Fazendo uma varrição no Google, eis o que me aparece nas buscas relacionadas: o queridinho Diogo Mainardi praticando os mesmos atos que o Pierre - e sob os mesmos tipos de holofote. VISH MUITA TRETA!

Repito: não acredite em mim!

Teoria da Conspiração? Cheiro de caos? Nada. É só uma amostra do que virá em 2014 no que se refere à cobertura das manifestações. Porque protestos haverá, agora a gente só não sabe como vai ser. E cobertura midiática também, só que, igualmente, não dá para saber para que lado o chorume vai escorrer.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O ano em que o Brasil enxergou Minas. Ou melhor, CHUPA, MILTON NEVES!

Demorou, minha gente. Demorou. Minas Gerais pôde, enfim, ter um lugar ao sol no cenário futebolístico nacional. E isso só foi possível ao campeonato que cada grande time do estado alcançou este ano: a Libertadores do Atlético e o Brasileirão do Cruzeiro.

Eu digo isso porque, já tá mais que na cara, a nossa querida (pero no mucho) imprensa fica de olho somente nos grandes times cariocas e paulistanos. E foi de gozar de rir quando ouvi, na terça-feira (dia 14), o Milton Neves falando na Band News FM que o campeonato já não tinha mais graça e que "a TV estava perdendo audiência" com o Cruzeiro sendo campeão antecipadamente.

Meu caro Milton, pois é. Apesar de você se dizer mineiro de Muzambinho, o ranço de paulistano é o que predomina na sua alma. Foi com certa tristeza que ouvi você dizer, num dos seus comentários matutinos com o R. Boechat, que o Cruzeiro era "cavalo paraguaio". Com o perdão da palavra, mas vá à merda.



Vá à merda com o seu apego a somente dar crédito àquilo que interessa ao eixo. 

Vá à merda junto com a Renata Fan, que declarou a mesma coisa do Atlético na Libertadores.

Vá à merda com o Neto, aquele outro sacripanta ridículo, que só sabe comentar sobre o Corínthians e esquece que existe um Brasil para além de São Paulo.

Pitoniza, peguei você como Cristo, eu sei. Mas é só para que você expie e pague os pecados cometidos pelos seus colegas de futebolismo. Entenda que os tempos são outros. Não mais temos que reverenciar Muricy, Luxemburgo ou Abel Braga; está na hora de cedermos o espaço ao Cuca, ao Marcelo Oliveira e ao Wagner Mancini. 

Pois é, Milton Neves. Desculpa aí pelos xingos, pelas maledicências, mas você também provocou. Como bom atleticano que você diz ser (é, eu acredito), não esquece das origens não, tá? Reconheça que, com quatro rodadas de antecedência, o Cruzeiro sagrou-se mais uma vez campeão. E que isso não é a vitória de um time, no caso o time celeste; para mim, é a vitória de um Brasil invisibilizado contra um Brasil superexposto. 

2013 é o ano de Minas no Brasil. E que a hegemonia Rio-São Paulo fique apenas na história.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A noite dos 105 anos. Ou, melhor dizendo, o Cuca merece.

Como disse uma amiga minha no Facebook, "narrativas épicas merecem coroação". E, sim, o Atlético merece ser coroado.

Porque tem como técnico um cara que custou acreditar em si mesmo - e só agora, somente agora, depois de ser vice-campeão da Libertadores pelo Fluminense, vice-campeão brasileiro com o Cruzeiro, vice-campeão brasileiro com o Atlético, só agora ele desvirginou. Somente agora conseguiu mostrar a que veio. Não, meus caros, não é o Vítor o nome da noite, mas Alexi Stival Beludo.

Dessa vez, o Cuca não cucou. Graças a ele, graças a todos.


Cuca é um técnico que, quem conhece do futebol sabe bem, tem seus desequilíbrios, suas faltas de fé, seus vacilos. Foi isso que não o deixou ter confiança suficiente para crer em si mesmo. Mas, graças ao Atlético, ao apoio e suporte incondicional que a torcida deu ao Cuca, ele botou fé. Acreditou que, diferentemente das outras vezes, ele não iria "cucar".

Eu fiquei "encucado" (no sentido de ficar me questionando) por que raios o Fluminense dispensou o Cuca quando ele foi vice da Libertadores; e por que raios, mesmo fazendo o excelente trabalho de colocar o Cruzeiro na Libertadores de 2011, ele foi demitido de lá. Faz-nos refletir até mesmo sobre o quanto nós confiamos no trabalho dos outros (mesmo com todos os erros e acertos) e em nosso próprio trabalho. Dava para ver que anteriormente o Cuca era emocional e psicologicamente desequilibrado. Porque ninguém botava fé nele. Daí, você até poderia realizar que a mistura entre um time que há muito não ganhava um título realmente expressivo (o último foi o Campeonato Brasileiro de 1971) com um técnico considerado pé-frio poderia dar merda. Deu merda, mas para os outros.

Que fique claro: o time do Atlético merece todas as palmas hoje, madrugada de 24 para 25 de julho de 2013. Merece o devido reconhecimento nacional de que foi, sim, o melhor time em campo na Libertadores. Que fez, sim, uma campanha surpreendente - esse é seu primeiro título internacional desde a Taça do Gelo, na década de 50. [UPDATE: Carlos Bolívia me lembrou dos dois títulos que o Atlético tem da Comebol em cima do Olímpia. A Libertadores, então, seria o quarto título internacional]. Mas o nome da noite é o Cuca. A imagem da noite, para mim, não será o Léo Silva vibrando com o último pênalti. Não será a entrega da taça. Mas aquele momento no qual Cuca, o técnico borra-calças, o desacreditado, o pé-frio, ao ter a certeza de que foi campeão da Libertadores, deita-se no gramado do Mineirão, numa espécie de oração muçulmana, um rito de passagem, uma devoção. Cuca foi devoto do pessimismo e da má-sorte, mas ele conseguiu se levantar e também poder dizer: eu acredito - em mim. Porque tem gente que acredita em mim. Então, eu vou acreditar em mim. Vocês acreditam? Então eu também acredito.

O homem da noite que consagrou o Atlético. Claro, teve ajuda de uns psicólogos, também... Complexo de inferioridade não sai da pessoa da noite para o dia.

E é assim que o Cuca passa de um líder que treme nas bases nos momentos decisivos para um combatente que vai ao front sem medo da batalha. E que consagra um time que tem 105 anos de importante história em Minas Gerais mas que, como Cuca, tinha complexo de vira-lata - mesmo tendo um galo como mascote. "O Atlético é sofrido, o Atlético é azarado. E eu também. Nós quebramos isso tudo", disse ele. E que bom que quebrou, Cuca.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Da escrotidão voluntária

Alex Teixeira era um cara de muitas posses. Rico, mesmo, daqueles que esbanjam dinheiro e prata por todos os buracos. Mas, assim como o dinheiro e a prata, Alex esbanjava outra coisa - essa, um tanto quanto mais nefasta e nociva.

Alex, administrador, trabalhou por um tempo como gerente numa fábrica num interior dessas Minas aí - não sei se era Piracema, Pitangui, Piranguinho, Potomaio... Sei lá, só sei que era uma grota; sabe, aqueles lugares onde Judas chegou para descansar porque perdeu as botas no meio do caminho? Pois é, mas o que sei é que era uma cidadezinha tão simpática, tão bonitinha... Dava dó ver uma pessoa como Alex frequentar um espaço como aquele - você vai entender o que quero dizer logo adiante: Alex é uma pessoa que contamina, no mau sentido.

Nesse interior, enquanto trabalhava de gerente da "firrrrma" (ah, o R puxado do interiorrr de Minas é tão bonito...), conheceu uma moça. Delicada e meiga, Rosa ficou interessada do rapaz assim que chegou à cidade. Um burburinho se fez quando Alex chegou - né por nada não, mas o cara era realmente bonito, sabe, meio Alain Delon com James Dean e Marlon Brando (ainda magro). Causou comoção a chegada dele, moças suspiravam, cochichavam o nome dele nas rodas, mas nenhuma tinha coragem o suficiente para chegar nele.

Rosa não fugiu à regra, e resolveu investir no rapaz. Foi investindo daqui, conversando com um amigo de lá, ouvindo conselhos da mãe até que um dia - TUFF!, os dois se encontraram. Começaram a se ver com frequência, passear, tomar sorvete - tudo, antes das 21 horas, porque o pai da Rosa, seu Irineu, era um daqueles matutos duros de dobrar. Nossa Senhora, ô homem difícil de lidar, gente! Não era dado à conversa, mas nunca maltratou ninguém que a gente saiba. O cabra pode ser turrão, mas mal educado? Jamais.

Rosa e Alex começaram a namorar. Noivaram. Casaram. E resolveram se mudar para Belo Horizonte, a capital. Vocês lembram que eu disse que Alex era um cara riquíssimo? Pois é, nos arredores dessa cidade aí onde ele conheceu a Rosa (ai, memória, funciona... era uma cidade indo lá para Araxá, qual que é o nome do diabo da cidade?), ele comprou, antes de casar, uma senhora fazenda. Grande. Imensa. Naquela época que eles casaram, a cana tava em alta, e ele resolveu aplicar os trocentos alqueires em cana. Mas bobo que ele não era, não ficou só na cana, não. Vai que desgasta a terra, né? Resolveu plantar milho e criar gado, também. Era um mar de cabeças de boi que ele tinha - e só boi do fino, só gado Nelore, só coisa de rico, mesmo. Vendia e comprava gado com uma facilidade tal como eu consigo comprar balas na padaria da esquina (quer dizer, antigamente era mais fácil, eram 3 balas por 10 centavos, agora com a crise... xiiii... por isso eu tive que ir às ruas em junho, só dá pra comprar bala agora com 20 centavos! Ó que absurdo...). Alex era rico, mas não era boa gente. Não mesmo.

Quando o Alex resolveu se mudar da cidade pequena para a roça grande, ele comprou um apartamento no metro quadrado mais caro de BH: o bairro de Lourdes, perto da Praça Marília de Dirceu. Ele tinha grana, né, queria impressionar... E comprou o dito cujo. E fez uma surpresa à Rosa, que ficou maravilhada ao ver o tamanho do apê. Ela, que estava acostumada aos pequenos muquifos, às casas pequenas, à humildade do interior, ficou embasbacada com aquilo. Foi o primeiro de muitos embabascamentos que se seguiriam.

Alex, como te disse, não era flor que se cheire - como a Rosa. Na fazenda, ele era conhecido entre os peões como "Alex Mão de Ferro", por causa da sua condução deveras intransigente das coisas que aconteciam no latifúndio. Teve uma vez (olha o naipe...) que aconteceu de ter aparecido um ladrão de gado lá pelas roças dele. E a fazenda dele serve de passagem para outras fazendas e roças menores do entorno. Você acredita que ele chegou a fechar a passagem do pessoal que vai pras outras fazendas com uma corrente, colocou um cadeado e não fez cópia pros outros fazendeiros? Gente, isso foi um tumulto na época! Dona Maria das Graças, fazendeira vizinha, ficou pê da vida e apelou com o Alex. Dona das Graças, uma vez, passava de noite voltando da cidade pra roça quando se deparou com o correntão lá bloqueando o seu caminho. Dona de um temperamento super apimentado e forte, das Graças emputecidamente foi até a sede da fazenda dele e começou a gritar, para todo mundo ouvir:

- SEU FILHO DA PUTA DESGRAÇADO! QUER ME DEIXAR FORA DE CASA, HOMEM PERTURBADO?

(Achei o termo "homem perturbado" bem adequado para definir o sujeito.)

Alex, naquele jeito dele de "eu sei que estou certo e fazendo as coisas que eu acredito serem as melhores sob o meu ponto de vista", explicou o motivo da corrente. E que não tinha feito a cópia porque a chave ficava não com ele, mas com o caseiro.

- Ah, dona das Graças, sabe como é, né?, eu sou muito ocupado e aí não tive como fazer a cópia. Dei lá a chave pro Lalau e falei pra ele guardar com ele.

- E pediu pra fazer cópia?

- Ah, pedi não, sabe, não acho prudente. Vai que qualquer um desatento perde a chave e aí eu fico vulnerável, sabe? Eu não posso ficar vulnerável, tem um tanto de gado aqui e já me roubaram um tanto que eu tenho que ficar cabreiro, sabe?

- Alex, eu preciso passar aqui para chegar lá nas minhas terras, o outro caminho é precário! Porra, vai amarrar uma chave?

- Uai, das Graças, eu tenho que proteger meu patrimônio...

- Melhor proteger a sua cara, que vou moer ela de porrada!

E partiu para cima.

Não era a primeira vez que Alex sofria (merecidamente, diga-se de passagem) algum tipo de agressão. Mesquinho demais com os outros, só pensava nas suas posses. Sua esposa, como eu tinha dito, era uma pessoa que era mais familiarizada com as pequenas coisas da vida - mas ficou muito magoada quando viu seu projeto de jardim na entrada da casa principal dar lugar a um insólito muro de alvenaria. Alex mudara a entrada da fazenda arbitrariamente e, como Rosa só frequentava a fazenda uma vez por mês, ficou indignada.

- Meu amor, mas cadê o jardim?

- Ah, Rosa, sabe?, eu tive que tirar o jardim porque a gente tava vulnerável, sabe, e eu não poderia deixar a casa exposta e...

- Vulnerável? Como, se o Lalau fica aqui na casa do lado sempre de olho... Lalau é de confiança, cê sabe disso...

- É, Rosa, mas nesse mundo não se pode dar brecha, né, tem que resgardar a nossa casa, que é o nosso investimento.

O sangue de Rosa talhou.

- Mas meu jardim...

E Alex atalhou:

- Seu jardim já era! Fiz o que eu tinha que fazer e pronto.

Rosa emudeceu. Passou todo o final de semana sem conseguir emitir uma palavra. Sua vida de simplicidades dava lugar à temeridade do resguardo das posses e domínios de Alex. Não conseguia ser feliz como antes.

Rosa murchara, perdera o brilho e o viço que a mantinham viva ao longo dos anos.

Alex queria filhos, mas a mágoa de Rosa foi tanta que um câncer se alojou entre o ovário e o útero. Deus sabe o que faz, né, já pensou que sacanagem o Alex ter filhos e ele criar desse jeito tão medonho?

O câncer avançou e se alastrou pelo abdome. Rosa tinha que ser submetida a um agressivo tratamento combinado de químio com rádio. Isso, além das vitaminas que tinha que tomar para recompor o organismo, dos corticoides para aliviar a dor, dos analgésicos, anestésicos e tudo o mais que a Medicina Ocidental provê.

Alex gastou boa parte do seu patrimônio, que ele tanto ficou de usura para proteger. Rosa não morreu, mas nunca mais foi Rosa - só sobraram os espinhos.

O resultado da história eu acho que dá pra vocês imaginarem, né?



segunda-feira, 8 de julho de 2013

Que horas são?

Todo dia, Daniel costumava fazer seu ritual habitual: acordava, tomava banho, escovava os dentes, tomava café, dava um beijo na esposa, pegava a valise com os papéis do escritório, pegava a chave do carro, dava a partida no carro, abria a garagem pelo portão eletrônico, saía do prédio, despedia-se do porteiro, fechava o portão, seguia ao trabalho.

Ele sempre estacionava num estacionamento próximo do trabalho. Já combinou com o cara de lá para pagar um mensal de 250,00 pela vaga. Chegava para trabalhar às 9h30, saía invariavelmente às 19h. Trabalhava em um escritório de contabilidade - ou seja, a parte mais chata quando você tem dinheiro. Várias declarações de imposto de renda já passaram pelas suas mãos. Vários clientes importantes já passaram pelo escritório onde trabalha, de sobrenome tão nobre quanto nome de cartório em Belo Horizonte. Porque em Beagá, saiba: se você tem cartório, é porque você é um fodão. Não é qualquer um que tem culhões suficientes para ter um cartório. Olha só o sobrenome: Triginelli; vê lá se isso é sobrenome de mortal? No mínimo, o sobrenome de um italiano que chegou ao Brasil e, às custas de seu trabalho (leia isso com duplo sentido), conseguiu ganhar alguma coisa na vida. Tem um rico empresário na cidade que é de origem italiana, tem lá seus amigos na política e conseguiu ficar mais rico do que já é graças ao seu trabalho (leia isso com duplo sentido). A empresa desse moço da Itália também tem conta no escritório de Daniel.

O escritório de Daniel ficava num imponente prédio espelhado de 25 andares na região centro-sul. Próximo à saída do prédio, sempre tinha um moço que ficava sentado na porta, contemplando sabe Deus o quê. Era um moço não muito velho, já devia ter seus quarenta anos, mas talvez a vida nas ruas tenha-lhe precocemente envelhecido o corpo. Porém, o espírito não caducara. Saía sempre à cata de algum material que pudesse encaminhar ao ferro velho e fazer uma graninha com ele. Sabe como é, colaborar em casa. A casa dele nada mais era do que a marquise de um prédio vizinho ao de Daniel; de praxe, ele costumava chegar perto da portaria e tentava abordar alguém. De praxe, sempre tinha um armário de dois-por-dois, também conhecido como "segurança", que barrava o contato dele com o mundo dos negócios do qual Daniel vivia.

E o segurança nunca deixava o moço se aproximar. Seja temendo que ele invadisse o prédio, seja porque achasse que ele não era uma pessoa que devesse frequentar aquele espaço.

Num dia desses, Daniel saiu da sua rotina. O carro foi pro conserto e resolveu ir de ônibus. Ao chegar perto do seu trabalho, sob a desproteção de um segurança que somente atua na portaria de um prédio cheio de executivos, o moço que está nas ruas abordou Daniel.

Daniel deu um sobressalto e logo já disse:

- Eu não tenho nada. Desculpa aí.

Um outro rapaz, que também trabalhava no mesmo prédio de Daniel - mas não no mesmo escritório; inclusive, ele tinha hábitos diferentes do de Daniel: sempre ia de ônibus, preferia quebrar a rotina às vezes, não tinha uma vida estanque - estava logo atrás dele. Foi igualmente abordado pelo moço da rua, e seguiu o mesmo "caminho" de Daniel":

- Desculpa, moço, mas eu não tenho.
- Mas não é isso. Quero saber se você tem horas.
- Como?
- Cê tem horas? Que horas são?
- Ah, são nove e quinze.
- OK. Obrigado.
- Só isso?
- É, só. Valeu.

Era só isso, pensou o rapaz abordado. E ele pensando que era outra coisa.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Não puxeis a cordinha em vão

Era um dia meio cinzento. O ônibus se encontrava relativamente vazio - quer dizer: com todos os lugares ocupados, mas sem gentes espremidas pelas portas traseira e dianteira. O coletivo subia um dos viadutos da Lagoinha com sentido ao Centro de Belo Horizonte. E, vocês sabem como a nossa engenharia é deveras inteligente, a Antônio Carlos hoje é duplicada, mas os viadutos são os mesmos da década de 1980 - com duas faixas, muretas baixas e vazadas e, para piorar, o viaduto faz uma curva que, dependendo da velocidade do motorista, dá uma vertigem e um medo de cair na Estação Lagoinha, metrô (metrô, não, trem elétrico) localizado logo abaixo.

Voltemos ao ônibus. O coletivo já subia o elevado quando o rapaz deu o sinal. Ele se sentava à janela, e o moço que estava no corredor fez uma gentil menção de se levantar. Foi aí que o diálogo começou.

- Quer levantar, moço?
- Não, não. Obrigado, vou esperar ele parar no ponto.
- Mas, moço, você puxou a cordinha. O senhor vai ter que levantar.
- Levantar? Mas meu ponto não chegou ainda.
- Mas por que, então, o senhor puxou a cordinha?
- Uai, já para avisar ao motorista que vou descer no próximo.
- Mas todo o mundo do ônibus vai descer no próximo ponto. É o Centro...
- Bom, eu puxei porque eu quis. Só isso.
- Tá, mas uma vez puxada a cordinha, o senhor tem que se levantar.
- Gente! Pra que isso? Eu sempre puxei a cordinha ou apertei o botão e fiquei sentado esperando o meu ponto chegar!
- Senhor, isso é errado!
- "Errado"? Como assim?
- É, senhor! O senhor não pode puxar a cordinha e ficar assentado.
- Onde que isso tá escrito? A BHTRANS resolveu cagar essa regra?
- Não, senhor, tá aqui.
- Aqui onde?
- Aqui, no Nosso Livro Sagrado.
- ???
- É, senhor. No Nosso Livro Sagrado, tem um mandamento que fala isso.
- Mandamento?
- É. Olha aqui. Décimo primeiro mandamento:...
- Mas, peraí, não eram dez mandamentos?
- Não, senhor. Sempre foram onze.
- Como assim? Sempre aprendi que eram dez mandamentos, como não matar, não roubar...
- Mas tem o décimo primeiro, senhor. Que é esse daqui.
- "Não puxeis a cordinha do ônibus e permaneceis sentado, sob pena de pecado"? Mas que p...
- Olha o palavreado, senhor. Estamos num coletivo...
- Mas que pitomba é essa?
- É um mandamento. Tá aqui, escrito.
- Não vá me dizer que sempre foi assim...
- É, senhor. Sempre foi. Está escrito, assim procedeis.
- Então quer dizer que no Velho Testamento existia ônibus?
- Isso eu não sei, senhor, mas está escrito.
- E só porque está escrito você segue à risca?
- Uai, senhor, o que está escrito deve ser seguido. Conforme o que está escrito.
- Mesmo para o meu caso? Poxa, eu toda a vida puxei a cordinha e fiquei sentado...
- Pois é, senhor. Arrependa-se então para merecer o perdão.
- Perdão?
- É, senhor. Se o senhor permanecer sentado, tendo puxado a cordinha, o senhor está em pecado.
- PECADO? Ah, fala sério...
- Estou falando, senhor. Não estou inventando. Apenas seguindo o que está escrito.
- "Apenas seguindo o que está escrito". Falou, papagaio-de-pirata!
- Senhor, essa expressão é inadequada para o que o senhor quer dizer de mim. Papagaio-de-pirata é aquela pessoa que aparece indevidamente numa foto. Acho que o senhor quer dizer que estou de trololó.
- Esperto até que você é, hein?
- Com a bênção do Nosso Livro Sagrado.
- Nosso, vírgula! SEU livro sagrado.
- Mas ele pode ser seu também, se o senhor quiser. Basta...
- Me arrepender e levantar depois de puxar a cordinha.
- Isso, senhor.
- Até que chegue no Centro, eu vou ardendo no inferno...
- Mas, senhor...

E a ladainha do moço com o Livro Sagrado na mão continuou até que o ônibus (finalmente) chegasse ao Centro.



Conto baseado em fatos irreais, mas de contexto surreal.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Abre a porta, UFMG!


Saiu no Estado de Minas reportagem sobre uma situação peculiar na UFMG:

O acesso à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ficará mais rigoroso até o fim do ano. Pela primeira vez haverá controle, 24 horas por dia, das 22 mil entradas e saídas diárias de veículos do câmpus Pampulha. A previsão é de que em novembro esteja funcionando sistema por meio do qual o motorista será obrigado a se identificar na portaria para ter a entrada liberada. A medida faz parte do Plano Diretor de Segurança Universitária, em implantação há três anos, e coincide com o momento em que são estudadas providências para coibir episódios como o do fim de semana, quando bandidos entraram na Escola de Engenharia para arrombar um caixa eletrônico e fizeram reféns. Uma das atitudes possíveis é decretar o fim dos caixas eletrônicos instalados pelo câmpus. 

(Alguém avisa ao pessoal do Estado de Minas que campus não se acentua?)
(UPDATE: me informaram que, ao que parece, há as duas formas. Mas é tão estranho isso...)

Há que se notar uma coisa nessa notícia. O assalto aconteceu em um fim de semana, quando o acesso ao campus Pampulha já é restrito. Depois do meio dia, é praticamente difícil você adentrar à universidade - somente o portão 1, o principal, na Av. Antônio Carlos, fica aberto; os demais, ficam fechados. Se o arrombamento foi no fim de semana, então foi num momento onde há uma restrição de acesso ao campus. Então, não entendo essa medida de catracar a entrada dos carros durante a semana.

A diretoria da Universidade observa que a solução para acabar com os arrombamentos aos caixas é tirar os caixas eletrônicos das faculdades. É matar o boi para se livrar dos carrapatos.

A UFMG vai dando cada vez mais passos rumo à segregação. Acontece um episódio de violência no campus, a medida é proibir a circulação. Nos fins de semana, em vez de promover a integração, abrindo o campus e realizando atividades diversas, fecha-se as portas e veta-se o acesso (está mais que explicado porque grande parte da população não sabe o que tem lá dentro; a própria UFMG se esconde).

Tá, mas então vamos falar de violência. Por outro lado, até hoje não tive notícias da comissão que está apurando o trote nazi-racista ocorrido no prédio do Direito, que é fora do campus. A agilidade é meio relativa quando se fala em violação de direitos. O que será feito com os estudantes que promoveram uma série de violações contra calouros durante um trote ocorrido em março? Já se sabe qual será a punição dos agressores? Não? Ah, OK.

(UPDATE 2: a UFMG encaminhou relatório sobre o trote racista. Nossa, dois meses sem ter notícia... Para mim, o pessoal tinha até esquecido disso.)

Mas, no caso de uma infração ao patrimônio material da instituição, coloca-se câmeras; coloca-se catracas nas faculdades; coloca-se cancelas nas entradas; coloca-se uma política de afastamento. Sim, afastamento. Quem não é vinculado à Universidade que se afaste. Que não chegue perto, vai que esse bicho morde.

A UFMG morde. Pesado. Mas só morde quando existe um conflito em relação aos seus interesses. Só age quando existe um flagrante delito em relação ao seu patrimônio, aos seus bens. Como uma velha dona da Classe Média que exige que a mão do seu assaltante seja decepada.

Na época que era universitário, o atual reitor era candidato. E vejo o quão decepcionante é ver uma pessoa na qual você depositou um voto e simplesmente apunhalá-la pelas costas. A UFMG merece mais do que isso. Merece ser aberta à comunidade, não mais se voltar apenas a si mesmo. Seremos, se continuarmos assim, um bando de iluminados que não iluminam ninguém fora do espaço institucional. Já passou do tempo de a UFMG promover, como universidade, um acesso universal ao seu espaço, ao seu interior. Pois quando mais ela se fechar, mais ela vai afastar quem realmente necessita do seu espaço, do seu conforto. Dentro do campus, são poucos os lugares onde há a promoção de uma cultura de trocas e socializações.

Tomara, um dia, que Clélio Campolina (reitor em quem votei na época da eleição e que me arrependo amargamente de ter ajudado a ir para a Reitoria) repense essas atitudes. Se não for ele a pessoa que repensará a UFMG, que venha o próximo.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

Chegar no trabalho: uma conquista

Sete da manhã. O despertador toca. Eu insisto em não querer me lembrar que hoje é segunda, segunda brava, volta de feriado. Dormi pouco, cheguei de uma viagem a Brasília ontem 23h. Peguei as bagagens e, ao chegar no guichê da Expresso UNIR, para pegar o ônibus que desce até a Rodoviária, a moça me informa que o próximo Ônibus (23h15) já estava lotado. O próximo? 23h45. É de deixar qualquer pessoa que fez um trecho mais longo que o meu um bocado irritado. Como assim, chegada de feriado, a empresa não se dispõe de colocar pelo menos um carro extra, intermediário, para desafogar a demanda? Confins estava lotado, os táxis metropolitanos não estavam dando conta de tanta gente chegando, e a empresa, no alto do seu luxo, precariza quem necessita do transporte. Ela aproveita que é também concessionária da linha executiva (que é direta, vai até o Lourdes e custa duas vezes mais que a linha convencional) para quebrar as nossas pernas desse jeito.

Tomado o ônibus das 23h45, chegamos à Rodoviária meia-noite e quarenta. Havia uma fila gigante para tomar o táxi e ir embora. Ocupava todo o espaço do desembarque. Desisti, tomei um táxi lá fora. (E eu não sou de tomar táxi porque acho caro, ainda mais que desde semana passada a BHTRANS resolveu reajustar a bandeirada para mais de 4,00. Eu até poderia ter voltado de ônibus, mas o ponto, para quem está de malas, cansado e de madrugada na pista, é distante e a espera pelo Noturno poderia render pelo menos quarenta minutos). Cheguei em casa 1h15. (Se houvesse o ônibus da UNIR às 23h30, teria chegado em casa com mais rapidez. Mas isso são meros recalques, né mesmo, de quem usa transporte coletivo.)

Mas voltando ao dia de hoje. Acordei 7h, com um cansaço pesado e um humor retraído. Saio de casa 7h50 e o ônibus passa 7h55. Geralmente, no horário de pico eu gasto 30 minutos para chegar ao meu destino, o bairro Floresta. Às 8h, quase em ponto, o ônibus entra em um congestionamento que começa na região do Hospital Belo Horizonte. E assim vai. Quer dizer, e assim não vai.

Para andar cerca de 300 metros, gastei 30 minutos. Quando deu 9 horas, eu desisti. O ônibus ainda nem havia chegado ao Colégio Batista, a rua Pitangui estava toda engarrafada (ela é estreita e de mão dupla). Subi a pé, com o peso da mochila, a fim de pelo menos não perder a manhã no congestionamento.

Vim a pé, consegui chegar. Entrei no trabalho com um atraso de uma hora. Havia pessoas no ônibus que tinham compromisso além Centro às 9h, e nesse horário sequer saíramos do lugar. Estava tudo tão complicado que eu tive que andar para poder acabar de chegar. E cheguei. Se não, estaria lá, parado, chegando quiçá ainda no Colégio Batista ou algo que o valha.

No ônibus, uma senhora comentava que "tinha muito carro na rua". E tem mesmo: subindo a Pitangui a pé, dava para notar a quantidade de carros que transportavam somente uma pessoa. Eram vários. Me senti em Brasília, só que com morros e com bem menos estruturas. Belo Horizonte deseja se projetar como uma capital de vanguarda, mas acredito que seus gestores (e "prefeito") não saibam o significado dessa palavra. A diferença crucial que vi entre BH e BSB tem um nome: transporte metroviário.

Mas eu meio que desisti de bater nessa tecla porque se nem a BHTRANS se toca para essa necessidade, que dirá eu, mero reles cidadão comum que não entendo de Engenharia de Tráfego, mas entendo de Necessidades Urbanas? Fica fácil para o pessoal aí da empresa de trânsito pensar um transporte de dentro das cabines e gabinetes refrigerados. O dia que algum alto funcionário da BHTRANS precisar passar pelo o que nós passamos, aí a coisa funciona. Porque esperar que Márcio Lacerda vá colocar alguém como nós, que entendemos a situação do trânsito, para participar da gestão urbana, é muita utopia.

terça-feira, 12 de março de 2013

O nome do homem é desconhecido, mas o cachorro se chama Juarez

Está um dia de calor angustiante em Belo Horizonte - quiçá, um dia, a capital (que antigamente tinha um clima agradável) chegue aos pés de Cuiabá e do interior do Maranhão. Angustiante também me encontro, haja vista um mundo acontecendo aos meus pés e eu não me dando conta de que preciso ficar em pé.

Mas, antes de ficar em pé, eu preciso olhar para o chão. E é no chão que se encontram vários ecossistemas - vivos, mortos ou degradados. É olhando para o chão que a gente às vezes faz um gesto de humildade, de reverência, de consternação. Olhe o chão da sua rua e veja quão variada é a biodiversidade dele.

No chão, você encontra mato, asfalto, ladrilhos, pedra portuguesa, restos de fezes humanas, lixos orgânicos e não orgânicos. E, olha só, há outros seres vivos que coabitam desse espaço.

Um deles é o Juarez. Um simpático cão que conseguiu uma casinha e comida. Ele foi adotado por taxistas no Centro do Rio de Janeiro. Mas Juarez tem um vizinho. Um vizinho nada importante, nada notório. Ninguém sabe o nome dele, nem o que ele é. Só se sabe que ele é um mendigo.


Isso mesmo, um mendigo. Sabe, essas coisas que aparecem do nada e enfeiam a cidade? Que ficam incomodando pedindo dinheiro ou comida? Sabe, esses entes desconhecidos, sem rumo?

Pois é. O cão tem um vizinho. O que o vizinho é, de onde vem, ninguém sabe. Ninguém quis saber.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Carnaval, o Carnaval, o Carnaval...

É quarta de cinzas, mas parece que o Carnaval de Belo Horizonte não teve seu fim ainda. A cidade que outrora era refúgio dos avessos à folia, mostrou todo um potencial a ser explorado (mercadologicamente falando) em relação às festas de e na rua que ocorreram desde o dia 2 de fevereiro. Nesse dia, iniciou-se o pré-carnaval com o Bloco Mamá na Vaca (que se concentra na Praça Cairo, no Santo Antônio, e desce a rua Leopoldina até a Contorno) e com o S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L., evento de música independente que, em sua quarta edição, enfrentou uma chuva um pouco forte que não desanimou os foliões que lá estavam. Pelo contrário: os shows das bandas independentes convidadas a tocarem no Festival deram a tônica e o calor da coisa. Entrou numa fria quem não teve lá.

Falando em fria, não tem como falar de Carnaval sem, infelizmente, citar a Prefeitura. É, eu queria só falar de coisa boa, mas o povo do 1212 da Afonso Pena não deixa.

Uma coisa é certa: o Carnaval de Rua de Belo Horizonte deu muito certo em 2013. Graças à população, que se mobilizou e fez o negócio na tora - porque, se dependesse da Empresa de Turismo de BH, a Belotur, as coisas não seriam tão felizes assim. Primeiro, pelo fato de a empresa soltar um edital de apoio aos blocos - cujo critério fundamental é ser pessoa jurídica. Haja PJ para tanto bloco, amigo! O outro é um fato recente, que culminou no contato do ECAD (a obscura empresa arrecadadora de Direitos Autorais) com os responsáveis pelos blocos, dizendo que, como a Belotur não tinha entrado em contato com eles para saber a questão do pagamento dos direitos, eles (o ECAD) tiveram que acionar os blocos para ver essa questão.

Me preocupa deveras essa postura intransigentemente distante da Prefeitura. Preocupa-me o fato de que o Carnaval das escolas de samba, na Praça da Estação, ter que ser gradeado, cercado, cheio de catracas e roletas e acessado somente por um ingresso que você tem que pegar antecipado. É uma Prefeitura que faz com que a cidade seja para poucos, que tem que cumprir requisitos (consideravelmente fascistas, separadores e desagregadores) que somente visam dificultar o acesso, a chegada.

Outra postura que preocupa em relação ao boom que 2014 terá com nosso Carnaval é o fato de Belo Horizonte não contar com uma mobilidade decente. Com um tanto de gente se deslocando pelos bairros (de Barreiro ao Concórdia, do Centro a Santa Tereza), pede-se desesperadamente por um táxi tal como um andarilho suplica por água no deserto. Sim, desertas ficam, também, nossas esperanças de conseguir uma lotação para ir ou vir - todas encontram-se com o horário super reduzido e, mais, algumas deixam de circular parcial ou integralmente; significa dizer que a cidade anda pululando de coisas e a BHTRANS, sutilmente, dificulta o seu caminhar pela cidade. Nem isso ela deixa, meu Deus...

E é melhor pegar com Ele mesmo, porque, se depender da Prefeitura de Márcio Lacerda, o "prefeito" pode transformar toda a alegria de uma cidade que se revolta e se rebela contra ele e contra seus ditames no veio mais vil e tenebroso do Marketing Institucional. Imagine que 2014 será ano de Copa do Mundo, com Belo Horizonte sendo uma das doze cidades-sede. Imagine que em 2014, Márcio Lacerda será ainda "prefeito" da cidade - ou, quiçá, quererá galgar pontos mais altos das Altas Câmaras - estou falando do Governo de Minas (se isso acontecer, preparem-se para serem governados por uma pessoa que um dia disse que estaria do lado de quem estivesse contra o Márcio e que agora é amigão de sauna dele). Imaginou? Pois é.

Foram mais de 70 blocos pela cidade nos últimos quinze dias - contando o pré carnaval, que se iniciou, como eu disse acima, dia 2 de fevereiro. Teve gente que saiu de São Paulo para poder viver o Carnaval daqui. Eu deixei de subir para Olinda/Recife por ter ouvido de amigos meus que o Carnaval aqui ano passado foi uma delícia. Tomara que esse movimento continue livre, espontâneo, feliz - como foi o Carnaval 2013. E espero sinceramente que Márcio e seus asseclas não queiram regular demais a porra toda, colocando cordas para separar a "galera do bloco" do "resto da rua", como acontece em Salvador. Espero que o povo continue fazendo a farra na rua, sem necessidade de intervenção policial por causa de Lei de Silêncio; que a Prefeitura, como seu dever, ajude os blocos a se manterem com o mínimo de estrutura - banheiros químicos e espaço para os ambulantes circularem com a cerveja; que Márcio Lacerda se sensibilize (se isso algum dia for possível, pois eu particularmente acho difícil) que não é gradeando os espaços e separando por catracas que se resolve o problema da segurança dos que estão curtindo o Carnaval, mas tal xenofobia só aumenta as tensões e faz esse "prefeito" ser cada dia mais odiado; que dá para ser feliz com pouco, basta apenas um incentivo aos blocos encabeçados por pessoas físicas - essa coisa de ter tudo institucionalizado embrutece cada vez mais o ser humano.

Por enquanto, o Carnaval é findo. Mas 2014 vem chegando aí. Não vou ser pessimista, jogar água no chope e falar que a Copa vai acabar e foder com tudo. Tomara que não. Ano que vem estarei eu aqui, novamente, curtindo o Carnaval a minha cidade natal - um Carnaval que há tempos eu não via por aqui: uma festa de rua, uma celebração com os que estão na rua, uma alegria para os que ficam na rua.








segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Suplantando superficialidades com a virtualidade

Tem dias que eu me sinto mesmo um Jack Nicholson no Um Estranho no Ninho. Ou um Ivan de O Invasor. Mas é certo que o meu sentimento é de afastamento, de isolamento, de perceber que tem algo muito errado com essa porra de mundo.

Vejam o print da tela abaixo. Pode ser algo bem OLD, mas só hoje que eu vi.


Um site que agencia namoros fake. Namoros de fachada. Você PAGA para ter um script ou um fake na sua timeline escrevendo coisas só para incitar o ódio na sua ex.

Só duas palavras: meu Deus.



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Graham Chapman Day (atrasado, mas ainda vale)

Se estivesse vivo, Graham Chapman faria 72 anos ontem, 8 de janeiro de 2013. Se você se pergunta quem é esse cara, digo-lhe que ele faz parte de uma trupe de humor nonsense que mudou o meu (non)senso de humor.

Eu já ouvia falar de Monty Python desde o segundo semestre de 2006, mas nunca tinha assistido nada. Amigos meus sempre comentavam, falavam bem, mas nunca tinha me dado um clique para saber do que se tratava. Em fevereiro de 2007, o falecido Centro de Cultura de Belo Horizonte, no Centro - hoje, Centro de Referência da Moda -, fez uma exibição de vários filmes de Monty Python. Curió como um pretenso jornalista que eu era (ainda cursava a graduação, indo para o quarto período), fui assistir a "Em Busca do Cálice Sagrado", sem muita expectativa - era mais a curiosidade pelo o que os outros falavam em relação ao grupo que me motivava me deslocar da Pampulha, do campus da UFMG, para o Centro.

Digo que não me arrependo.

Foi um dos melhores filmes que já vi na minha vida. Ria feito um bobo, um besta, um bocó, por todas as piadas nonsenses que lá apareciam e por todas as críticas à sociedade, reveladas com um inteligentíssimo bom humor. E, ao ver o filme, relacionei as piadas às brincadeiras e zuações que meus amigos e eu já fazíamos, à época de Colégio. Sim, a gente era Monty Python sem saber o que isso era. Principalmente pelo humor tosco, nonsense, viajado, pelas ideias desconexas que acabavam tendo sentido e pelas ideias com sentido que acabavam sendo desconexas.

Não digo que o sexteto britânico "mudou a minha vida", como um tanto de gente diz. Mudar, acho que não. Mas que me revelou um mundo além de A Praça É Nossa e Zorra Total, ah, isso com certeza. Eu já me via cansado desses programas humorísticos, mas não conhecia muita coisa além - eu não tinha, ainda, a delícia da banda larga em casa; por meio dela, saí fuçando os esquetes de Monty Python, e saí rindo feito besta. É muito simples e muito profundo o que eles fazem. Nada deles é rasteiro e simples.



Graham Chapman era um dos caras que compunham a trupe. No filme "Em Busca do Cálice Sagrado", é ele quem executa o papel do Rei Arthur, "filho de Uther Pendragon do Castelo de Camelot. Rei dos Bretões, vencedor dos Saxões, soberano sobre toda a Inglaterra". Se não tivesse falecido por complicações decorrentes de um câncer, Chapman estaria ainda com Clesse, Palin, Gilliam, Jones e Idle, o resto da turma.

Chapman é o único Monty Python que está morto. Mas não o Rei Arthur. Não os seus papeis nos outros filmes - que, estranhamente, não me marcaram tanto quanto o Cálice Sagrado; não que fossem menos importantes, nem que fossem mais ruins, muito pelo contrário! A Vida de Brian e O Sentido da Vida fazem críticas tão contundentes e violentamente insanas quanto o Cálice Sagrado, mas... sei lá, acho que o típico de crítica feito no Cálice - na verdade, a quem se dirige a crítica - é que me fez preferi-lo.

Para quem interessar, eis o filme completo:

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

"Vou te bater, Giovanna!"


E, de repente, a voz de uma mãe ecoa no banco logo atrás do meu no ônibus:

- Ah, não, Giovanna! Eu vou te bater!

Eu estava indo ao Centro pela manhã. Em cima do Viaduto da Lagoinha, a criança começou a passar mal e a golfar na mãe.

- É a segunda vez já que você faz isso! Toda vez que pega ônibus é isso!

A garota tem no máximo três anos - observei na hora que desci no meu ponto. A fala da mãe parece acusar a menina de sempre fazer isso de propósito. Em um momento no qual a guria de colo precisa de apoio, a mãe pensa na reprimenda "justa" e imediata.

- Agora, cê vai pro médico assim mesmo, toda suja!

O que me fez refletir sobre esse ofício deveras trabalhoso que é ser mãe, ser pai. Tudo bem que a mãe poderia ter ficado puta da vida com a menina passando mal dentro do ônibus e deixando o coletivo com aquele típico cheiro de leite talhado. Mas percebi uma reação exagerada da mãe com a filha.

- Vou te bater, Giovanna!

Fiquei com aquilo na cabeça. Ecoando. Essa frase aí em cima. Donde concluí que, realmente, não é qualquer pessoa que pode ser mãe ou pai, por mais que queira, por mais que deseje.

São em situações extremas como essa que se percebe o deslocamento de sentimentos. Em vez do apoio, a vontade de esganar; em vez de segurar a testa da menina para ajudá-la no vômito, age com alguma indiferença que está mais para a ignorância. Resultado disso é que a menina se suja, a mãe se suja, a acompanhante da mãe ao lado tem sua bolsa toda sujada. Mas está mais para a sujeira de espírito e de caráter que a bagunça do refluxo da garotinha.

- Vou te bater, Giovanna!

O cheiro de vômito infantil ficou disseminado no coletivo. Desci, olhei de relance para a menina. Rosto redondo, olhos amendoados, parecendo serem castanhos claros. A mãe tinha um físico magro, parecia (repito, parecia) ser adolescente ou uma jovem de 18, 19 anos. Seria uma impaciência juvenil contra um evento que lhe causa contragosto? Não quero buscar o motivo da reação dessa a quem atribuo a maternidade da criança - pode ser, pode não ser. Mesmo não sendo, essa mãe está mais para algoz do que para uma singela distribuidora de afeto.

E pensar que atos de tamanha nervosia infelizmente não são raros.