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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Felicidade? Não necessariamente. Plenitude.

A catarse é assim: primeiro, você vomita tudo, bota tudo de ruim pra fora; depois vem o soro caseiro para aliviar a situação de inanição; e depois você volta a se alimentar, só que de maneira mais adequada, com vistas a evitar o que te fez mal.

Eu e minhas metáforas...

Minhas últimas postagens foram focadas muito nessa reflexão do que fui, do que tenho reconstruído. Do caminho que tenho percorrido para ter um mínimo de sossego interno e poder trilhar um bom caminho. Não é fácil, mas estamos aí, andando adiante.

Me foi pedido que, além de eu colocar à tona a consciência de alguns sentimentos e a forma de como eles persistiram e se modificaram com o passar dos anos, que eu pudesse mudar um pouco de perspectiva, escrever sobre uma lembrança boa, uma situação que me deixou feliz ou um sentimento que eu goste.

Pois bem. Estou aqui eu refletindo sobre isso. E chego a uma conclusão de que perceber as grandes e pequenas felicidades da vida é algo que por muitas vezes não chegamos a nos dar conta.

Deixa eu começar do começo.

Desde o final de 2014, estou tendo algum tipo de contato sistemático com a meditação. Conheci uma galera que se reúne semanalmente para poder refletir não somente no Budismo como "religião", mas como religião no sentido etimológico de "religamento" com o Eterno, o Etéreo, o Ser. E, particularmente, a última reflexão me despertou uma vontade de compartilhar algumas coisas.

A reflexão que fizemos passou por nos situarmos como promotores e responsáveis por uma mudança interna em nós e no ser. Que tal mudança promove liberação de nós e dos outros seres, e de como é bom podermos sentir felicidade nesse sentido. Como é bom podermos estar tranquilos conosco mesmo.

Existe uma coisa no Cristianismo (principalmente católico) que é a figura do Cristo que morreu para nos salvar. Da personalidade que desceu dos céus para nos encontrar e que por meio de um ato de amor nos liberou dos pecados. O que pondero é que, não sei se vocês já chegaram a perceber, mas existe um culto ao Cristo que se encontra no madeiro, afixado, pregado (sem trocadilhos) e em sofrimento. Poxa vida, o Cristo viveu 33 anos, evangelizou bastante, trouxe uma palavra de amor e paz, é um espírito deveras iluminado (assim como Krishna, assim como Buda, assim, como Maomé, como Confúcio e tantos outros) e nós vamos nos apegar, para que não esqueçamos, à sua imagem mais sofrida... Creio ser daí o sentimento que a gente tem de "culpa", e o que se apelidou de "culpa cristã", que já acho que é mais "culpa católica apostólica romana". Mesmo porque há outras vertentes do Cristianismo (Espiritismo, por exemplo) que não contemplam essa imagem de Jesus na cruz; tem um amigo meu, palestrante, que sempre faz questão de lembrar que Cristo também sorria, e que tal imagem é que devia nos seguir - não do Cristo carrancudo... Daí, fui pensando que (olha a minha viagem) pode ser proibido ser feliz porque a gente teria que toda hora lembrar que existiu um ser iluminado que se sacrificou por nós; e tal sacrifício não é, digamos, "feliz"; daí, temos sempre que, em última instância, venerar uma certa humildade revestida de tristeza e dor. Como se ficássemos eternamente de cabeça baixa porque, ao olhar para cima, contemplaríamos o Cristo crucificado e essa imagem nos faria abaixar a cabeça em sinal de complacência.

Tem uma cena (genial!) do filme (genial²!) "Monty Python em busca do Cálice Sagrado" (o meu favorito dessa turma) que faz uma crítica a essa posição de subalternidade:

http://youtu.be/OdT5uO2LPG8?t=23m42s

Semioticamente falando, a gente (por meio da cultural culpa católica) é barrado de ser feliz porque isso talvez seja um ultraje ou ao Cristo crucificado ou ao outro que se encontra em situação pior que a nossa.

Mas... não é modificando a gente que modificamos o ambiente? Que coisa, essa galera tem hora que parece contraditória...

Enfim, estou divagando pra caramba dessa vez. Até mesmo para poder encontrar alguns momentos de felicidade ou, melhor dizendo, no qual eu estivesse feliz.

E é essa a chave que eu quero virar. Que, na verdade, foi uma ficha que demorou a cair para mim.

A "busca pela felicidade" é ilusória. Porque felicidade demais ou tem que ser compensada com o seu oposto ou é inatingível porque iremos sempre querer mais e mais felicidade. Estaremos sempre insatisfeitos, incompletos, e não conseguiremos perceber a grandiosidade dos versos de Gil quando fala que "o melhor lugar do mundo é aqui / e agora".

E para que seja perceptível isso, você não pode (ou não deve) ser alegre ou feliz o tempo inteiro. Porque conceitos de felicidade variam - não são os mesmos os conceitos de felicidade de um gótico e de um hippie, por exemplo. Por ser relativa, eu proponho que em vez de falarmos de felicidade stricto sensu, que possamos pensar para além dela - porque é claro que haverá momentos nos quais estaremos não tão felizes assim.

Pensemos na questão da plenitude como a possibilidade de perceber o que nos alegra, o que nos motiva, o que nos chateia e o que nos impede de caminhar. Se nos detivermos apenas em um desses aspectos, a gente inevitavelmente trava, porque entramos num processo mental tão pesado que é difícil de se desvencilhar. No Budismo, é a Samsara, o mundo como o conhecemos, que talvez possamos dizer que é "caótico". Sabe quando a gente fica imerso no que muitos chamam "Roda Viva"? Quando você acha que vai ser sugado e tratorado pela engrenagem da vida? Pois é, digamos que é mais ou menos por aí. Buscar pela felicidade é entrar na roda do caos, porque:

- você busca felicidade;
- você encontra algo que te faz feliz;
- esse algo que te faz feliz consegue te impulsionar para caminhar;
- chega um inevitável determinado momento que você se "cansa" dessa conquista (um emprego que você queria muito, suou para conquistar, mas depois de entrar nele viu que era, Bino, uma cilada);
- logo, você é acometido de uma frustração porque não era exatamente aquilo que você pensava que era - repito, não era o que você pensava;
- essa frustração te gera angústia;
- essa angústia te faz refletir: continuo aqui ou saio desse processo? (Continuo nesse emprego porque já que lutei muito e abrir mão dele seria "injusto" - olha a culpa aí assolando sua cabecinha - ou saio dele e vou novamente em busca de algo melhor?);
- independentemente do caminho que você vai seguir, você, pela frustração, já saiu do processo de felicidade, você não está mais sentimentalmente ligado àquilo que você tanto queria; tanto continuar do jeito que está como recomeçar é difícil, é doloroso, é desgastante;
- você modifica o seu caminho em busca da felicidade;
- e o ciclo continua.

Quando se tem a plenitude como companheira, em vez da sua mente atuar de forma a pensar que aquilo é o melhor ou não, você dá um passo atrás e percebe que, independentemente da escolha, aquilo te traz crescimento. Te traz formas de você seguir com mais leveza. Você pode estar doente, mas a plenitude te dá formas de, em vez de perseguir obstinadamente a cura somente, perceber o seu processo (como você chegou ali, como você está e como você deseja ficar) temporal de caminhada. Nós temos uma noção muito limitada de felicidade como algo finalístico e teleológico - a própria expressão "em busca da felicidade" diz isso, que futuramente seremos felizes e gozaremos das nossas conquistas. Me lembra um causo do caipira e do cara da cidade. O cara da cidade chegou pro moço caipira oferecendo trabalho na urbanoide, e o caipira questionou.

- Moço, o que eu ganho indo pra cidade?
- Oras - respondeu o cara da cidade -. você vai poder fazer uma carreira.
- Como?
- Você vai trabalhar bastante. E aí vai ficar conhecido.
- Pra quê?
- Pra poder ganhar um bom dinheiro.
- Pra quê?
- Pra poder fazer um investimento, uma poupança...
- Pra quê?
- Pra que seus filhos cresçam com saúde e que você possa investir, por exemplo, numa casa no campo para descansar.
- Mas, moço, eu já moro no campo... Pra que eu vou pra cidade?

Percebem a cilada? O moço da roça sairia da roça para a cidade para, depois de desgastado, voltar para onde ele já estava, a roça. Numa alegoria, é como se estivéssemos querendo sair de um estado no qual nos consideramos insatisfeitos para ir, futuramente, onde possamos estar tranquilos.

Por que, então, não dizemos que já estamos felizes? Ou que tal busca pela felicidade não é teleológica, mas do momento? É pecado dizer que somos felizes com o pouco que temos e com o pouco que somos? Para que ostentar "felicidades"? Odair José já disse: "Felicidade não existe / O que existe na vida são momentos felizes". Eis a chave para enxergar a plenitude: que esse conceito cristalizado de felicidade (material, afetiva, psicológica) é transitória porque é assim que é a vida. Efêmera, transitória, impermanente. Viver cada minuto como se fosse o último não deve dizer respeito a tão-somente viver como se não houvesse amanhã; mas nos revela que ser feliz é do agora, que amanhã podemos ser mais felizes que hoje - mas só poderemos ser mais felizes amanhã se já formos hoje.

Posso dizer que minha primeira viagem a Diamantina, em agosto de 2005, foi um momento feliz. Mas durou aquele momento - e, se eu cair na besteira de ser nostálgico e querer repetir aquele momento, eu vou obrigatoriamente me frustrar.

Posso afirmar que minha primeira viagem de avião, em fevereiro de 2011, foi um momento de excitação tremenda. Pelo olhar da busca da felicidade, para repetir aquele momento eu teria que estar sempre a 30 mil pés de altitude; pelo olhar fraterno da plenitude, a gente percebe que aquele momento não se repete, mas que é possível trilharmos caminhos para que viajemos com mais frequência de avião.

Viagens são momentos felizes. Quando saímos do nosso cotidiano e partimos rumo a outros locais - conhecidos ou não. A viagem pode ter seus altos e baixos, e isso é da vida. Ficar insistindo em só querer que a viagem seja boa é buscar a felicidade; perceber que nessa mesma viagem teve coisas boas e ruins é plenitude. É não se agarrar à sua mente ditatorial e perceber o todo sensorial.

Claro que tive vários momentos de felicidade. Mas todos entravam nessa roda viva cíclica. Mas teve um dia em especial que me marca até hoje e que me deixa feliz dentro desse conceito de plenitude, de saber que foi um evento especial, mas que percebi sob um amor maior. Esse dia foi 7 de dezembro de 2012, quando me foi dada a oportunidade de começar uma vida bem diferente da que eu até então já tinha vivido. Se eu analisar a data pelo viés da felicidade, creio que, como qualquer data, é efêmera e já passou, a meta seria buscar outra coisa para pôr em cima, digamos; pelo olhar da plenitude, é possível de se perceber o quanto que uma data e o seu após trouxe direcionamentos que convergiam diversos sentimentos.

Bom, isso pode ser pauta pra outra matéria porque esse caldo rende. Desligue o motor do carro antes, porque a resenha vai durar...

Em tempo: não estou dizendo que é para esquecermos a felicidade. Estou querendo dar um toque para pararmos de buscar por ela. Esqueça esse conceito superficial de felicidade como algo a conquistar, como objetivo futuro. Perceba que é mais que isso. Mais que ficar perseguindo algo futuro sendo que o nosso maior presente é a oportunidade de enxergarmos o nosso entorno, de sermos gratos com a nossa atual condição; de trabalharmos, sim, pelo aprimoramento, mas começando com o que se tem.

Feliz é aquele que pode começar, recomeçar, perceber-se a si mesmo e caminhar. Isso que eu chamei aqui de plenitude é esse trabalho de percepção, que vai além do que se vê.

Daí você me pergunta se sou feliz. Eu sinceramente titubeio, fico em dúvida. Justo porque felicidade é esse conceito materialmente vago que para muitos podem ser emprego, casa, comida, sexo, filhos etc. Em vez de me perguntar e de se perguntar se estou feliz, pergunte-me e pergunte-se apenas como eu ou você estamos. Não se apegue à resposta, apenas diga o que seu coração está neste momento se comunicando. Captou a mensagem do coração? Pois bem, bem vindo à plenitude. Isso que é o mais legal da história: não é o que você diz, mas como você se percebe quando diz. E isso é um estado que, pelo menos para mim, é mais importante que o sentimento em si. É essa plenitude que vai orientar a gente a caminhar, sim, para um futuro melhor, mas que já se inicia no primeiro momento da nossa percepção.

E o que te faz feliz, Bruno?
Acho que é a possibilidade de enxergar isso tudo. Para além das coisas que me movem, como trabalho e amor, é perceber a consciência de que a falta de alguns elementos me deixa mais triste ou chateado. Mas é justamente não me levar pela chateação. Essa tomada de consciência me deixa desperto inclusive para correr atrás das coisas e das pessoas que me são importantes, sem me deixar levar pelo peso da responsabilidade. Essa consciência, talvez, é o que me deixa feliz.

Por isso, gente, reflitamos sempre sobre os versos de Gil:

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora.



sábado, 10 de janeiro de 2015

Fugas para debaixo da cama

Se houve em algum momento da minha vida algo que fosse preponderante, esse algo era o medo.

Medo de apanhar, medo de perder o ônibus, medo de tirar nota baixa e apanhar por conta disso, medo de ser xingado por ter tirado nota baixa, medo de ser repreendido por ter chegado atrasado num compromisso.

Medo como fator de reticência diante de um ato ou de uma ação é até sadio. Eu tenho medo de pular de uma pedra numa cachoeira ou num lago porque tenho medo de bater a cabeça e me tornar um M. Rubens Paiva, paralítico.

Conheço pessoas que têm medo patológico de água. De mar, na verdade. Vão à praia e sentam à beira de onde a onda quebra. Quando a água vem, mesmo se tiver vindo fraca, a pessoa sai correndo, com medo do mar. Tal medo deixa a pessoa afastada desse contato tão benéfico com as águas de Janaína.

Medo, o oposto da coragem. Fui um moleque medroso, pelo do que consigo me lembrar. Havia figuras que passaram na minha vida que eu tinha o mais puro medo. Dona Marlene, ex-diretora da escola onde cursei de primeira à quarta série, era uma figura que me dava medo. Na época, com oito anos e na primeira série, ver seus cabelos ruivos tingidos e sua aparência nervosa me causava certo incômodo, certo medo de vê-la por aí.

Como eu tinha medo de apanhar. Pelo medo de apanhar, não era de fazer muita peraltice. Quando eu fazia uma coisa mínima - chegar atrasado 10 minutos ou deixar alguns bagos de feijão no prato -, a bronca era certa. Meu medo de ser punido também. Seja pela punição verbal, seja pela punição física, eu tinha medo de encarar meu algoz. Não, não era necessariamente um inimigo, mas sim um carrasco. Mesmo os nossos carrascos nos amam e demonstram esse amor por maneiras tortuosas e que não conseguimos compreender a priori. Esse algoz sempre falou mais alto, sempre se impôs, sempre quis se dar ao respeito. Sempre me botou medo.

Sempre me botou medo. Não me sentia seguro em me relacionar com as pessoas por medo do que os outros poderiam achar - e se meus pais vissem eu brincando com Fulano, que é filho de Sicrano, mó puxador de fumo?

Não me esqueço do dia que saí para jogar bola e não cheguei em casa no horário combinado. Ainda tentei levar um ex-amigo meu (hoje é ex-amigo, que me sacaneou durante a juventude; mas estou trabalhando pela sua liberação e que eu me libere de quaisquer sentimentos negativos em relação a ele) para amenizar a situação. As correias cantaram em dobro. O couro literalmente comeu as minhas costas. A autoridade se imperava, não tinha conversa. Pisou na bola? É castigo! Dos mais grossos, dos mais pesados! Correia e preencher um caderno escrevendo quinhentas vezes a mesma frase.

Não era do castigo em si, talvez, que eu tivesse medo. Mas da reação daquele que me o impingia. Era sempre uma reação muito dura, pesada e inflexível, de conversa e/ou tolerância zero.

Havia algumas situações onde eu "aprontava" - poderia ser uma má resposta, por exemplo - e eu, para me esconder, ia para debaixo da cama. Via os seus pés, passando de um lado a outro me procurando. Às vezes, usava um cabo de rodo ou de vassoura para me forçar a sair de lá de baixo. Ou (pode isso ser minha imaginação, OK?, eu não tenho certeza dessa imagem) se abaixar e jogar o chinelo para me acertar. Ou me ver e coercitivamente pela fala me obrigar a sair de baixo da cama. Saia de baixo da cama agora. Sai daí agora, seu moleque. Seu [não, não compensa ficar repetindo isso...].

Embaixo da cama não era necessariamente um refúgio seguro. Mas era para onde o medo me levava naquelas circunstâncias. Era medo que me empurrava para lá, um medo irracional contra um algoz idem. Um medo sem medida, cujo único parâmetro era a minha preservação, um instinto de sobrevivência que me chamava loucamente. Corre, se esconde. Mas, como se percebe, não durava muito tempo e eu sempre, sempre era descoberto.

Sempre era achado debaixo da cama. Sempre eu era retirado à força (da voz ou física) de lá. Sempre (ou quase sempre) havia uma reprimenda - verbal, moral, psicológica ou física. Por quê? Porque eu desobedecera. Por eu ter contrariado as regras.

Mas embaixo da cama, fora desses momentos de tensão, era um lugar que às vezes eu visitava. Não me lembro exatamente os motivos, se era alguma brincadeira comigo mesmo, mas essa imagem de eu estar lá de baixo e ver os pés passando à minha frente me traziam alguma coisa de afinidade - não digo conforto, porque não é confortável um alérgico ficar num ambiente deveras poeirento como embaixo de uma cama. Como se fosse uma caverna, um esconderijo, um refúgio que, mesmo não sendo meu, era onde eu me encontrava. Ou fingia que me encontrava. Ou brincava de me encontrar. Ou não me encontrava, apenas ia - pra que vamos ficar dando respostas a tudo nessa vida? Deixa as lembranças virem, depois a gente vê o que faz com elas...

Mas retomando: medos irracionais me fizeram ir lá para baixo. Para o ambiente insalubre e poeirento. Fugas, sumiços, formas de dizer "estou com medo" - ou "não tenho coragem" de enfrentar o algoz que está à minha frente. Me deixe aqui, diria eu a ele, inocentemente. Mas ele/eu não sabe/sabia que o algoz sempre puxa sua vítima para fora dessa caverna, dessa gruta, desse esconderijo. Sempre o algoz vai te expor, mesmo que seja a você mesmo, e fazer você se encarar como uma pessoa miserável, que não presta, que no menor erro acaba com tudo.

Somente eu que não consigo encarar o algoz que seria tão covarde a ponto de me esconder debaixo de uma cama. A cama onde dorme meu algoz. Não a minha cama.

Relembrar essa imagem de estar embaixo da cama, retomá-la me faz reanalisar essa questão do medo/coragem. Que por muito tempo eu tive medo de muita coisa - e digo que ainda tenho, mas pelo menos tô buscando coragem para poder encará-los de frente. Não posso mais utilizar esse refúgio de uso pueril, infantil, esse recurso, esse subterfúgio da brincadeira de se esconder sabendo que vai ser achado. Se é o algoz ou não, em algum momento eu serei achado e exposto pelo o que sou - não pelo o que representativamente pensou que posso ser.

Estou visualizando a imagem que eu tinha quando me escondia: as duas pernas quadradas de madeira da cama, o estrado com uma tábua branca larga no meio para suportar o peso, o colchão fino porém confortável. Virando 180 graus, a tomada onde o rádio relógio ficava ligado, as outras duas pernas quadradas da cama, a parede. Certa escuridão que não é total por causa da luz amarela da lâmpada incandescente que ilumina o quarto. Há passos, vejo pés passando à minha frente. Parte do lençol cai pelos flancos, mas não chegam a se arrastar no chão. Só tampam um pouco a minha visão, como um véu tampa os olhos da noiva.

É dada a hora de dar o chega. Que bom que tal lembrança me veio na mente. Então vamos liberando tudo isso, eu não preciso mais me esconder debaixo da cama. Não quero mais me esconder embaixo da cama, é empoeirado e eu espirro. É insalubre.

Eu já não uso mais o espaço embaixo da cama.

Não dá mais para me esconder embaixo da cama.

Mesmo porque eu cresci, e não caibo mais embaixo da cama.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Empatia e alteridade na selvageria do egoísmo

Empatia e alteridade. Por que as palavras se interconectam?

Vejamos a Wikipédia:

Empatia: resposta afetiva vicária a outras pessoas, ou seja, uma resposta afetiva apropriada à situação de outra pessoa, e não à própria situação. O termo foi usado pela primeira vez no início do século XX, pelo filósofo alemão Theodor Lipps (1851-1914), para indicar a relação entre o artista e o espectador que projeta a si mesmo na obra de arte.


Alteridade: concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo).


Existe um fator simples que faz com que os verbetes empatia e alteridade estejam, de alguma forma, conectados. Se empatia é a capacidade de se colocar na pele do outro, respeitá-lo e compreender a sua forma de ser, de viver, de falar, ainda que em âmbito individual, não podemos nos esquecer que estamos imersos em um mar cultural que me impele a lidar com o outro. Se eu lido com o outro com empatia, compreendendo a sua especificidade, isso dentro do contexto social é alteridade. É o reconhecimento de que aquilo que você não é pode também ser respeitado, preservado e dignificado.

Alteridade está para a coletividade assim como a empatia está para a individualidade. Não falo de individualismo, mas do reconhecimento do sujeito em si mesmo. É complicado pensar em ser empático se não há o reconhecimento da alteridade, e não vejo possibilidade de exercer alteridade sem a citada empatia. Vejamos, no caso das religiões.

Recentemente aconteceu o atentado ao jornal Charlie Hebdo, em Paris (França). Não vou nem linkar nada, tá todo mundo recebendo rios e mares de informações - muitas delas truncadas - sobre o assunto. Está se atribuindo a culpa a extremistas islâmicos porque o periódico fazia piadas com Maomé, com os muçulmanos e afins. Fora dessa questão do humor, se foi adequado ou não, eu pergunto se há empatia em querer eliminar o outro apenas por eu discordar dele. Oras, se não há empatia, não há respeito pela sua alteridade; o individualismo egoico fala mais alto (eu eu eu eu eu eu eu e de novo eu) e suprime e anula o outro. Não concordo com o que você disse - BUM! te mato - pronto, aniquilei o outro. E ser empático com esse tipo de atitude não é a empatia que estamos dizendo aqui. É outra coisa, talvez simpatia, talvez certa camaradagem; empatia é que não é.

Diante desse cenário horroroso que aconteceu na capital francesa, surge também um questionamento sobre o respeito dos franceses nativos aos imigrantes, muitos deles oriundos de países outrora colônias da França - como a Argélia. Esse atentado pode (não só pode como vai) despertar a sanha fascista de querer eliminar aquele que te incomoda, aquele que você não quer que faça parte daquilo que você faz parte. Está se abrindo um flanco enorme para a que a ultradireita, racista e xenófoba, possa ter voz e vez. E o maior representante francês dessa ala é Jean Marie Le-Pen, o Pastor Everaldo das Europas. (A bem da verdade, pego pesado em comparar Le-Pen com Everaldo. São alas distintas de disseminação de preconceitos. Mas são perniciosos e perigosos.)

Essa classe de pessoas não acredita na alteridade como forma de sobrevivência da sua nação. Não veem na interação com outras culturas uma forma de, quiçá, dignificar a sua própria. São alheios, avessos à mistura. Sim, são pessoas que podem fazer tudo para colocar "as coisas no seu devido lugar" - pretos nos guetos, judeus no gás, gays nas masmorras, e por aí vai. Como não são nada empáticos com o que lhes é diferente, são completamente anti-alteritários.

Já que citei Everaldo... E o que dizer dos (sempre eles) evangélicos extremos que, vez ou outra, quebram imagens de Nossas Senhoras, de Iemanjás e destroem templos que não são afins à sua concepção, por mero ensejo de se proclamarem como “a verdade”? No ano retrasado, eu li uma reportagem do jornal O TEMPO sobre a opressão que os terreiros de umbanda e candomblé têm passado em Belo Horizonte por conta da ofensiva neopentecostal. Oras, se o Cristo ama a todos e a todas, ele não vai amar o praticante da religião afrodescendente por que motivo? Eu disse O CRISTO, não o Deus o Velho Testamento - que, geralmente, é proclamado nessas atitudes que eu considero de uma imbecilidade tremenda. Chega a ser engraçado quando, para dizer de amor, atualiza-se o discurso para aquilo que é mais novo - os evangelhos -, mas para falar de aceitar os outros lá vamos nós ao paranoico Levítico.

E eu posso dizer que passei por um grave momento de falta de empatia no ano passado. Prefiro não citar nomes para não ser arrolado em processos judiciais, mas eu já confidenciei a pessoas muito próximas a mim a minha vontade de eliminar da face da terra um certo gestor municipal que trabalha no 1212 da Afonso Pena. Tenho a plena certeza de que eu não era o único (rsrs), mas talvez seria um dos poucos que poderia, por meios diversos, colocar em prática esse plano. Por mais que essa pessoa enchesse nossa paciência municipal; por mais que ele tenha se mostrado como uma pessoa deveras inacessível, que não dialoga, de uma ironia que irrita; por mais que esse cara seja apenas um administrador que esquece as sensibilidades da cidade que administra, gerindo a cidade como empresa; por mais que tudo isso me subisse aos tetos do nervosismo, uma pessoa muito querida me fez enxergar que executá-lo a sangue frio não iria adiantar nada, somente iria piorar a situação e fazer com que mais sangue pudesse ser derramado, sendo a lei mosaica colocada em prática - “olho por olho, dente por dente”. Olha aí o Velho Testamento do Deus Vingativo de novo atuando.

Empatia não é assassinar aquele que te desagrada. É lidar com o desagrado de quem lhe desagrada para que seja possível - ele e você - caminhar juntos. Se o desagrado do outro é tão grande que te desagrada, então pula fora. Se preserve. Tudo nessa nossa vida louca se coloca como efêmero, passageiro e transitório. Em vez de matar quem te fere, por que não se ajustar e buscar novas oportunidades? Pode parecer estranho o que direi, mas isso é um ato de amor. Amar o amigo é super fácil, tá ali do lado mesmo, acessível ao cafuné; agora, vai tentar dar um abraço afável naquele que te olha torto - isso, é ele que te olha torto, é ele que te abomina; por uma questão energética, que tal você (pode até não passar a gostar, mas) não emitir mais ondas vibracionais densas e escuras? Vai abrir o seu horizonte para outras formas de lidar com tudo e com todo mundo. Isso já é minimamente um ato empático.

Odeie e será odiado. Lei de ação e reação - ou, como diz BNegão, “tudo é vai e volta”.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Onde vivem os monstros?

Em 2009, 2010 ou 2011, não estou muito certo (sei que era fevereiro), fui ao Shopping Ponteio para assistir a Onde Vivem os Monstros. Era o único lugar que, à época, estava ainda exibindo o filme - eu não sou cinemaníaco a ponto de querer ver filme em estreia, me é incômodo. A sala estava vazia, havia no total menos que 10 pessoas. E, se não me engano, era um dos últimos dias em cartaz.

Depois de um bom tempo, resolvi assistir ao filme novamente. Agora, era 2014. Assisti em casa mesmo - graças aos meus 10 mega liberados, consegui rapidamente baixar e vê-lo na minha slim TV de 39 polegadas. (Deixa eu parar com a zueira que o assunto é sério...)

Quando eu vi o filme no cinema, uma singela lágrima escorreu no meu rosto. Quando o revi, não cheguei a chorar, mas senti uma comoção muito forte e intensa.

O filme se passa em um contexto de conflitos. Um garoto que não consegue se enquadrar, se identificar numa dada realidade, acaba tendo acesso a uma realidade paralela. Sem spoilers, o que posso comentar é que o mundo do garoto é muito semelhante a cada um dos nossos mundos internos e interiores: bagunçado, contraditório e cheio de remendos.

Mas Onde Vivem os Monstros não é, pelo menos para mim, uma mensagem de esperança no sentido de "as coisas vão se ajustar". É uma mensagem que diz "cara, você tem um tanto de monstro aí dentro, convivendo com você; dê um jeito nisso se você quiser melhorar a sua vida". Os monstros são os conflitos, são os desejos, as querenças que nem sempre são realizadas (ou realizáveis). O filme, que não deixa de ter toques de surrealismo e realismo fantástico, acaba sendo mais real e realístico do que várias mensagens de autoajuda que estamos cansados de ver, ouvir, ler, assistir.

É um garoto que tem que lidar com o seu próprio mundo interior.
Um mundo interior que, diferentemente do que pensamos, é habitado.
Habitado por muita gente.
As nossas múltiplas e várias personalidades.
Ou máscaras.
Que se ajustam de acordo com o contexto, com a situação, com o momento.

São máscaras. Os monstros são as nossas máscaras. Uma hora somos bonzinhos, mauzinhos, inteligentes, burros, ignorantes, aprendizes, tudo no mesmo "eu", numa mesma mente.

Isso frita a gente de alguma forma, não?

O que nos deixa mais fritos não é a existência em si dos monstros, mas ter que encará-los e dizer "velho, para que tá chato". Para que tá chato. Eu não sou você. Eu não sou o outro. Eu sou além de tudo isso. Para de querer fazer me identificar com você. Para, monstrengo, tá chato.

(Agora, sim, um spoiler.)

Quando no final do filme o garoto sai da ilha onde estão os monstros e volta para casa, a relação com sua mãe melhora sensivelmente. Ele se sente mais disposto a ter um contato melhor com a sua mãe, que era a pedra de tropeço nessa história toda - sua mãe é separada do pai, começa a ter outros relacionamentos e (Édipo explica) começa a rolar um ciúme que desgasta tudo. Por isso ele foge de casa, chega à ilha onde estão todos esses monstrões (cada um de um jeito) e percebe que, assim como Dorothy disse, não há lugar como o nosso lar. E que lar é esse senão o nosso interior?

(Pronto. Passou o spoiler.)

Que formas podemos encontrar de nos descobrir, de nos reformar intimamente, de nos renovar a alma, o espírito, de não cair em contradições? Que formas há para que vejamos as pedras no caminho e que, ao percebê-las, não tropecemos novamente nelas?

Eu gosto muito desse filme que de infantil não tem nada - a não ser a própria interação do garoto com os (seus) monstros, que remete a algo como o que o Cristo uma vez falou: "deixai vir a mim as criancinhas". Não é no sentido da infantilização, mas no sentido de que as crianças são de uma tranquilidade e sinceridade que assusta qualquer adulto - e tais qualidades são deveras fundamentais para que se acesse o "Reino de Deus", ou o nosso próprio interior.



Felicidade nem sempre é o melhor caminho para ser feliz.
(Fala de Judith, uma das personagens.)

Eu tenho refletido um bocado sobre esse assunto de autoconhecimento. Onde Vivem os Monstros é um filme para se refletir nesse assunto. Meus monstros vivem no ego, no orgulho e na vaidade. São monstros que se reconhecem no público, que acham que estar em evidência é sinal de status, de notoriedade, de importância. Meus monstros adoram alimentar-me a fama, o "sucesso", o desejo de ter mais do que se consegue abraçar. Meus monstros são invejosos, porque não percebem que o fato de o outro ser melhor que eu é mérito do outro e que eu preciso melhorar naquilo que me compete e que me cabe - "Deus dá o frio conforme o cobertor", cantou Adoniram; o frio é justamente essa necessidade de reformulação de hábitos, de pensamentos, e tem que ter um mínimo de força para que, diante do frio, nos levantemos e busquemos (no armário ou no pé da cama) o cobertor para nos aquecer do tempo frio. Porque a gente pode, também, escolher sentir frio pelo resto da noite - se a gente sente aquela preguiça, o sono é maior, a gente nem sem mexe e prefere sentir frio que ter que levantar para nos agasalhar. Oras, quantos de nós já fizemos isso... Quantos já deixamos de lado um agasalho por mera preguiça... E preferimos sentir frio do que gastar energia para nos agasalhar.

Monstrinhos, eu sei que vocês estão aí. Eu sei que vocês querem aparecer, querem que eu os considere que vocês são eu. Podem parar onde vocês estão. Sei também que vocês não vão embora da noite pro dia e que vocês vão ficar me importunando. Tudo bem, podem importunar, mas eu também vou fazer a minha parte: quer falar, cês vão falar sozinhos!, porque eu não vou dar mais tanta trela a vocês.

De peito aberto e corpo pleno e inteiro, é preciso juntar desejo e vontade para ter essa transformação. Poxa vida, não é fácil, mas também não é impossível...

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A posse da aposta

Foi com um misto de estranhamento e alegria que recebi uma ligação do cerimonial do Governo de Minas me convidando para assistir à posse do governador eleito Fernando Pimentel. A moça que conversou comigo queria confirmar a minha presença - a qual, claro, confirmei. Todos sabem das minhas críticas ao próprio Fernando, mas um momento como esse não poderia ser deixado de lado.

Minas Gerais foi governada por 12 anos pelo PSDB. A figura de Aécio Neves entrou para o governo em 2003, ficando até 2010 - quando se candidatou ao senado e ganhou a sua vaga; nesse mesmo ano, o falecido (porém honrado) Itamar Franco também foi eleito senador por Minas - só que Itamar faleceu e tristemente deixou seu suplente no lugar: Zezé "helipóptero" Perrella. Quando Aécio saiu, Antônio Anastasia (conhecido e reconhecido professor universitário e, segundo dizem, o verdadeiro responsável pelas ações governamentais que Aécio dizia serem dele) assumiu seu posto, perpetuando por mais quatro anos um ciclo de gestão tucana. Anastasia saiu ao senado, deixando Alberto Pinto Coelho (do aliado Partido Progressista - que, de tal, só tem mesmo o nome) no seu lugar nesse fim de mandato. Hoje, Pinto Coelho entregou a "faixa" para Pimentel.

Não posso dizer "minha nossa, que momento histórico esse!", mas eu também não posso dizer que essa posse e transferência de governo foram qualquer coisa. Porque não foram.

A entrada de Pimentel no Palácio da Liberdade, para a cerimônia de transferência do governo.
Quem assistiu à posse na Assembleia (transmitida pela Rede Minas) pôde minimamente perceber um, digamos, mal-estar por parte do atual presidente da casa em presidir a cerimônia. Dinis Pinheiro (PP, que pode ser tanto Partido Progressista como "Partido dos Pinheiros", já que sua família é uma oligarquia das mais atuantes principalmente na Região Metropolitana de Ibirité) de jeito nenhum iria se furtar a presidir a cerimônia, mas você percebia um certo... desgosto da parte dele em ter que realizar a posse do governador eleito - Dinis foi candidato a vice governador na chapa de Pimenta da Veiga, tucano rival de Pimentel nas eleições. Só lembrando que Pimentel venceu Pimenta com 52% dos votos e em primeiro turno. E só lembrando também que Pimenta estava afastado de Minas há 20 anos, morando em Goiás, e foi (no meu ponto de vista) o candidato mais despreparado dessa eleição. Mais que o Tarcísio Delgado.

Posse realizada, era a hora da transferência de governo do Alberto para o Fernando - e esse evento foi no Palácio da Liberdade. Sob um sol de rachar, acompanhei (de dentro do Palácio) a cerimônia. Na hora da troca, Pinto Coelho toma a palavra - quando o cerimonialista anunciou seu nome, o que se ouvia do lado de fora dos portões eram as mais sonoras vaias. Meio que ressentido, o ex-governador bradou, como suas primeiras palavras, "Viva a Democracia!". Bravo, Alberto. Bravo. Um tanto corajosa essa sua atitude de saudar a democracia. Mas, engraçado, seu predecessores não foram tão democráticos assim, não é? Não me alongarei nisso porque não é essa a proposta.

Tanto no discurso de posse quanto no de transferência, Pimentel reforçou que quer governar fora dos gabinetes e trazer o povão para dentro do governo. Dentro dos jardins do Palácio da Liberdade, eu vi várias pessoas. Poucos conhecidos, é claro, visto que não transito pela política partidária tão forte assim. (Impressionante: mesmo num partido que se diz de origem popular a elite branca e masculina domina...) Eu vi alguns rostos conhecidos e, ao cumprimentá-los, percebi que estão todos com a mesma expectativa que eu: de que esse governo novo possa ser uma boa aposta. Se Pimentel cumprir essa promessa de fazer uma abertura política e participativa do governo, do jeito que nós - população - desejarmos, será meio caminho andado. Se for possível que a participação popular - alijada pelos tucanos - seja o carro-chefe, pode não ser que Minas Gerais se torne um estado ímpar, mas pelo menos diferente do que está com certeza ficará.

(Não, gente, eu não tenho ilusões de que vai ser polianisticamente lindo o governo, mas é preciso haver demonstrações claras de vontade política para o início de uma abertura, de uma transformação. Não se muda nada da noite para o dia, o processo é lento, mas estamos apostando nesse processo; como sociedade civil, eu e as outras pessoas que no Palácio da Liberdade estivemos não estamos cegos com uma crença de que Pimentel vai transformar água em vinho. Tomara que, minimamente, a água não caia em volume morto.)

O governador eleito. O colar da inconfidência, na simbologia da transferência, significa que
- agora sim - ele é governador de fato.

Não se iluda e nem me iludo que a eleição de Fernando Pimentel é uma "virada contra o neoliberalismo", por exemplo (como disseram algumas pessoas) . Ilude-se quem sonha com isso, já que Pimentel é tido como "o mais tucano dos petistas". Todos estão confiando e desconfiando, porque o jogo político requer de nós muita atenção. Porque ninguém esqueceu do filhote de cruz-credo que ele deixou aqui em Belo Horizonte em 2008 - que "começa com M e termina com ERDA". Porque o secretário de Defesa Social que Pimentel colocou é uma pessoa que merece vigilância e, a priori, desconfiança. Não são poucos os motivos para isso, mas não quer dizer que vou ignorar a existência deles e fazer um apoio incondicional ou ver para todos esses defeitos e cagadas e largar para lá, sem deixar a minha contribuição. Por vários motivos, eu estou plenamente consciente que meu apoio ao atual governo é um apoio crítico: vamos em frente, mas olhando para os lados. Sabemos do potencial dessa virada. É a primeira legislatura do PT em Minas Gerais, com uma eleição ganha em primeiro turno - o simbolismo disso é interessante. Podemos enxergar uma mínima mudança "no estado do nosso Estado", como disse Pimentel na posse. Eu também entro no rolê de querer contribuir para isso. Mas, como se diz em Minas, "devagar com o andor que o santo é de barro". Vamos usar o nosso potencial desconfiativo e trabalhar. Não dá somente para ficarmos que nem hienas ("oh, céus, oh, vida").

Vou copiar aqui a fala do meu irmão Luciano Jorge, professor da rede estadual. Com ela, eu concluo meu raciocínio e convoco todo mundo que tiver a fim para somar (e petralhar).

Acho importante qualquer leitura crítica de QUALQUER movimento. Não sou iludido de querer um "We Are The World". Mas, assim, já não sou nenhum menino de achar que tá de boa sair no tapa com todo mundo por qualquer coisa. Eu às vezes prefiro o silêncio do que a tagarelice.  
Acho que às vezes, só às vezes, falta um pouquinho de tranquilidade pra refletir e conversar (ou as duas coisas juntas...) sobre as contradições que estão colocadas. Eu ainda prefiro o encontro com a parte que tá a fim de dialogar (sem carteirada, minimamente consciente de seu lugar na sociedade e tudo mais) do que ficar eternamente no meu monólogo chato, desmobilizador, que não caminha.
E mais: nesses momentos eu ando com muita preguiça dessa esquerda ortodoxa e penso que essa é pior do que certos "religiosos" (se bem que eles pensam na revolução como quem pensa na terra prometida... Eu penso que isso é um problema). Essa ortodoxia desmerece o que pret@s, mulheres, trans e outros tantos grupos andam construindo. 
No mais, notei nesse ano [de 2014] que posso aprender com pessoas completamente diferentes, de origens diferentes, que não precisam gritar aos quatro ventos o que fazem. Elas apenas fazem o que deve ser feito. E eu acho isso valoroso pra caramba. 
Só espero que em 2015 sejamos menos sectários, mais reflexivos, encarando nossas contradições, colocando-as na mesa, assumindo nossos erros e reconhecendo a postura do outro. E, obviamente, sem perder de vista contra quem lutamos. Espero maior espaço pra reflexão, menos pontos finais e mais pontos de interrogação.