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segunda-feira, 23 de março de 2015

Liberdade, essa palavra...

...que o sonho humano alimenta 
que não há ninguém que explique 
e ninguém que não entenda
Cecília Meireles tentou poeticamente traduzir o que seria essa tal liberdade. Creio que foi uma tentativa muito bem sucedida, visto que é mesmo difícil de se explicar o que significa essa palavra.

O sentimento de estar livre, sem amarras e poder elucidar e evidenciar as suas escolhas de acordo com algo que é para além do que você acredita, mas que é alguma coisa que você visualiza como a mais correta, a mais interessante - não que seja a única opção, mas quando se é livre se escolhe, se envereda por um caminho, você tem serenidade na trajetória e tem consciência da consciência da escolha.

Definição simples de execução complexa.

Todo o nosso conceito de liberdade expressa-se no ato da libertação ou da liberação. E eu acho que as três palavras - liberdade, libertação e liberação - tiveram suas interpretações um tanto deturpadas ao longo da trajetória humana. Podemos dizer que uma pessoa que se encontra reclusa está em privação de um tipo de liberdade, que é o livre andar; outra pessoa que está doente está privada de outra liberdade, que é a sanidade do corpo - saúde é um estado no qual o corpo está livre dos malefícios.

Se adoecemos, necessariamente temos que recorrer a alguns métodos que, temporariamente, podem nos prender a uma certa disciplina que, sabemos, irá nos libertar daquele mal. Eu, como bronquítico, sei o que é ter que ficar pelo menos uma semana tomando antibióticos para poder melhorar das sinusites (ainda bem que, desde 2010, eu não tenho nem uma crise mais pesada).

Continuando no exemplo da doença, então, que eu acho que assim me farei ser compreendido. Eu, Bruno, sou uma pessoa que é alérgica. Já tive muitas crises daquelas pesadas, bem pesadas mesmo, de cair de cama de gripe ou de a sinusite atacar toda a fronte da cabeça, me deixando sensível a quaisquer luminosidades. E eu tenho notado que, de uns anos para cá, essas crises mais pesadas foram gradativamente diminuindo. Talvez tenha a ver com o processo de análise psicológica, talvez com acupuntura, talvez com algumas atividades físicas que fiz no meio do caminho, como a natação. Mas é perceptível a minha melhora de dez anos para cá - até meus 18, pelo menos uma vez por ano eu caía de cama. Quando eu fico(ou ficava) doente, tinha que me submeter a alguns procedimentos para melhorar e retomar a minha saúde normal. Antibióticos, antialérgicos, anestésicos, antitérmicos faziam parte do coquetel. Não, não tudo ao mesmo tempo, antibiótico só em último caso; mas antialérgicos (Polaramine e Histamin) são combativos e nos deixam bem sonolentos, por exemplo.

Daí, você se vê numa cama, sem ter muito o que fazer, a não ser esperar o remédio fazer efeito. Bom, na verdade, se você for uma pessoa turrona, vai querer sair na chuva do jeito que está, e aí você não melhora e pode até mesmo piorar. Se você for paciente (no sentido figurado), vai aguentar até a febre abaixar e o corpo dar sinais de recuperação. Para que você, aí sim, possa voltar a se molhar na chuva com mais tranquilidade.

O que é a liberdade senão a consciência de que você está passando por um processo pelo qual você tem que passar e, positiva e conscientemente, escolhe isso para poder dar o passo adiante? As escolhas que tenho feito na minha vida, desde o final do ano, podem suscitar vários questionamentos, do tipo "mas você não está se prendendo a isso?" ou "você não se sentiria livre se saísse dessa situação?". A liberdade está em eu poder dizer com a leveza e a tranquilidade de uma pluma que "gente, eu escolhi isso não por pressão, mas porque eu desejei, eu quis e ainda quero". Quando você se projeta positivamente, sem quaisquer amarras de pressão social ou algo do tipo; quando você percebe que é essa a escolha que vai fazer a diferença para melhor; quando você se toca e percebe que o que já passou ficou, mas que pode retomar de outro ponto, sempre almejando avançar na caminhada; quando tudo isso é feito se descolando da Roda Viva, com uma observação consciente de si mesmo, como não dizer que me sinto livre?

Por muito menos já me senti obrigado, direcionado. Nos tempos de Colégio e nos tempos de faculdade. A seguir um caminho que, posteriormente percebi, eu não deveria trilhar porque seria infeliz. E felicidade, como eu já disse antes, não é busca, mas presença. Eu estou fortemente presente nos meus processos de reforma interior, e digo que me encontro livre para escolher e trilhar o caminho que quero andar. E o que eu quero, perguntaria você.

Quero, como disse no texto que escrevi no fim do ano, receber você com a casa arrumada. Pode ser que seja a sua vez de arrumar a casa para me receber, a minha só não está tinindo e retinindo porque falta uma mão sua. Mas está beeeeeeem melhor, beeeeeeem mais organizada do que antes. Nossa, se você pudesse ver - bom, na verdade, você até já deu uma espiadinha, agora falta você se aprochegar com mais calma, ficar para tomar um café, comer um bolo, arrumar a mesa para fazer um jantar e, vendo que a hora está avançando, em vez de pegar um táxi e ir para casa, aproveitar dos móveis novos recém-comprados para fazer deles cama. Bom, mas, vá lá, acho que você pode ate ficar com certa vergonha porque talvez a sua casa esteja desarrumada - e não estou julgando ninguém por causa disso, é apenas uma constatação, longe de mim eu querer julgar algo ou alguém, sabe?, não é isso. Mas se eu posso te receber na minha casa, eu fico no aguardo para você me receber na sua. Não precisa estar um primor de limpeza, que daria inveja a qualquer pessoa com TOC; mas eu sei, eu sei, você precisa arrumar a casa... Eis onde a questão de se sentir livre reside: de poder oferecer o tempo necessário à outra pessoa para arrumar a casa e me convidar para visitar. Isso implica dizer, também, que não posso descuidar da minha casa, tenho que mantê-la em ordem - já disse, não precisa ser um primor, mas também não precisa ser um pardieiro.

E o que é liberdade senão a presença (física, espiritual e psicológica) de poder vivenciar esse processo por uma escolha sincera e motivada? O que é liberdade senão poder dizer "acredite, eu não me sinto preso; aliás, acho que nunca me senti tão livre, porque escolhi"? Sim, uma escolha consciente, racionalizada, embasada num viés positivo de que é um sonho realmente concretizável. Livre me sinto para poder me encaminhar naquilo que quero investir. Sonhos não envelhecem, e liberdade é o que nos faz verdadeiramente sonhar.

domingo, 1 de março de 2015

03:57-Insônia

Desperto-me. Estou no quarto. Parece que vai ser mais uma crise.

Tento me virar de um canto a outro. Faz calor, a janela está entreaberta. O lençol acolhe o meu corpo.

Abra os olhos. Olhos despertos. Olhar aberto. O teto é o único ponto de referência.

Viro-me. Tento me encontrar na cama. Não dá. O calor me incomoda, mas se eu tiro o lençol sinto frio. Resolvo me levantar. E ir ao banheiro - acordar para ir ao banheiro é uma coisa rara de acontecer. Mas que tem sido frequente.

No movimento de despertar, segundos antes de ir ao banheiro, surge um pensamento.

Por que acordei? Por que estou desperto?
De novo isso? Por quê, Espiritualidade?

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Não me são comuns crises de insônia. Eu tenho certa facilidade em dormir, pegar no sono é de boa para mim. Insônia em mim poderia ser, talvez, um sinal de mudança de hábito. Ou de preocupação.

Sim. Preocupo-me às vezes em demasia. E eu sou meu principal alvo.

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Relógio marca 3 horas, 57 minutos. Depois do banheiro, um copo de água. Desligar o rádio que adormeceu cantando. E tentar pegar no sono de novo... Ou ligar a TV e tentar ver alguma coisa? Já fiz isso uma vez, deu certo, mas não foi muito produtivo, o sono seguinte foi pesado e intermitente. Dessa vez, voltei para a cama. Preocupado em querer dormir logo, chegar a manhã logo.

Não deu. O teto, a parede, a cama foram meus cenários. Não uma paisagem onírica. Era tudo muito real.

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Despertar-se e se perceber em insônia é como acordar de um sonho bom por ter caído num buraco. A sensação é desconfortável, você vira de um lado a outro e não encontra nenhuma âncora que possa te deixar aprofundar no sono.

Passam-se minutos. Vários. Quase uma hora. Para que enfim eu adormecesse novamente.

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Não são seis horas. Começa o tilintar de alguns pássaros. Lá vou eu de novo ao banheiro. Que diacho, essas idas todas lá têm um pano de fundo que eu não tô conseguindo entender. E não é pouca urina, mas até uma quantidade razoável. O que meu corpo está produzindo que quer tanto expulsar? O medo de não conseguir adormecer novamente? A vontade de impulsionar as coragens adiante?

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Sete horas. Oito horas. Dorme, Bruno, dorme. Ouve os pássaros e dorme. Tenta relaxar.

Tento deixar o corpo leve, mas algo, alguma coisa, me pesa. Me sinto acorrentado, quero correr, mas não consigo. E fico numa expectativa de, na próxima noite, poder dormir melhor.

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Insônias podem me ensinar a me reencontrar. A buscar um caminho para retornar ao sono e, na hora adequada, acordar. Elas me cansam, me deixam o corpo pesado, mas são momentos também de reflexão. A principal pergunta: por que estou acordado se poderia estar dormindo? Ou, melhor, por que acordei na hora de dormir? Não, não era simplesmente para ir ao banheiro, eu realmente não tenho esse costume. O que uma noite insone pode me mostrar?

Que, talvez, eu necessite ter mais tranquilidade. Mais equilíbrio. Estou vivenciando um processo interno (e exterior) de mudança, de transformação. Já me disseram de alguns aspectos que mudaram em mim - e eu mesmo me percebo diferente, como estar mais chorão. Sim, dá vontade de chorar quando acordo com insônia. Porque bate um desespero de "e agora, será que vou ficar o resto da noite acordado?".

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Lembra quando eu disse que estava passando por uma reforma em casa? Ela está bem avançada, diga-se de passagem. Tenho contado com a ajuda de várias pessoas - deste e do outro plano - para poder me manter firme no propósito. Sim, eu persisti em me arrumar para te perceber e, veja você, rolou algumas boas notícias. Mas mesmo se você ainda não se sente confortável em pousar aqui, eu te convido a entrar, visitar e assentar morada. Talvez a insônia seja a preocupação (antecipada) de saber a hora que você vai chegar.

Tenho o hábito gostoso de receber as pessoas em rodoviárias e aeroportos. Nunca é um momento chato e entediante para mim, pelo contrário. Saber que aquela pessoa vem naquele ônibus ou naquele voo e que o ônibus e o voo estão a caminho é algo que me deixa esperançoso e confiante na sua chegada. Pode ser que a insônia seja uma manifestação dessa ansiedade, da hora (exata) do pouso, da chegada do ônibus, do desembarque, do momento de pegar as malas e, depois, do momento do abraço de retorno, de chegada. Não é qualquer abraço, mas mais do que uma pequena morte, é um momento de aperto, de afago, de acolhida.

Para além de um abraço físico, o abraço da chegada é aquele que recebe com tudo que aquele que espera tem de bom para doar. O momento do retorno é aguardado tanto por quem chega quando por quem recebe no terminal. E que momento gostoso é poder retornar aos braços de quem você gosta, de quem você ama, de quem você quer estar do lado. Que potência tem um abraço que, para além de abraçar, agarra e afaga.

Foi a partir de uma reflexão sobre a insônia que cheguei aqui. Veja se não é algo que, novamente, temos que agradecer...