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sábado, 7 de fevereiro de 2015

Gratidão

Em vez de dizer "muito obrigado" ou "valeu", tenho experimentado usar outra fórmula. Responder aos bons (e maus) acontecimentos com "Gratidão".

Hoje serei breve.

Parece esquisito, e na verdade é. Não estamos acostumados a agradecer dessa forma aos eventos e acontecimentos que nos sucedem. Agradecemos, geralmente, às pessoas. A acontecimentos, ou ficamos inertes (na mesma) ou repudiamos - como um espinho que entra na nossa unha quando vamos colher uma rosa. É um acidente de percurso, a gente sabe que rosas têm espinhos, mas nos acidentamos em sermos espetados. Várias palavras poderiam ser proferidas no momento - palavrões, principalmente, porque a dor de um espinho que entra é doída demais -, mas depois de passada a dor, a gente continua no mesmo ofício de colher a rosa.

E se fizermos um paralelo disso com o nosso processo de sofrimento na Terra? Na hora que o espinho entra, diga-se de passagem, até procuramos ajuda; depois que o espinho se vai, até que podemos ter a tendência de tomar mais cuidado para não nos espetarmos novamente; e quando nos espetamos, a gente se acha muito burro, incapaz, e dá-lhe autocrítica pesada.
Depois que o espinho se vai, a gente nem presta atenção no aprendizado que aconteceu.

A gente simplesmente joga o espinho fora e continua nossa colheita.

E se a gente dissesse "gratidão" ao espinho?

E se a gente enxergasse o espinho como uma chamada de atenção para os nossos processos automáticos de colheita de rosas? Não, não quero dizer que daqui para frente temos que entrar numa neura exagerada de evitar ao máximo os espinhos - em última análise, cancelar a colheita para evitar os espinhos. Mas o espinho serve para dizer "ei, eu estou aqui, eu também faço parte do caule da rosa, tome cuidado", como advertência para uma constante atenção na hora que formos colher a rosa.

Eis o que é o sofrimento. Ele não deve ser algo totalmente nefasto - mas, claro, a gente não pode viver no mar de sofrimento ad eternum. O espírito Batuíra tem uma mensagem legal sobre isso, chamada "Dor, Sublime Companheira":

Guardemos a receptividade necessária através da qual nos será possível assimilar o auxílio do nosso Divino Mestre.
A luta é grande, como não podia deixar de ser.
Para consolidar o serviço da Espiritualidade Superior na Terra, somos obrigados a sustentar o embate incessante contra as forças destrutivas de nosso próprio passado. Somos herdeiros diretos de séculos de violência e discórdia, bárbaros impulsos e paixões fulminativas.
A dor é a companheira e mestra que não devemos interpretar por agente de aflição e sim por bênção. Louvemo-la!
Através dela é que podemos levar aos nossos adversários a certeza de nossa renovação; e será com ela que escreveremos os princípios do Senhor na livro da alma a fim de que a, nossa consciência caminhe vitoriosa.

Não, gente. Calma. Não tô falando agora para virarmos todos masoquistas. Não é isso!

A mensagem vai além dessas questões tipicamente mentais e racionalistas demais. A dor é um processo de regeneração, de mudança. E de percepção da consciência. Quando você está com dor de dente, significa algo, não? Ou dor de ouvido, dor no pé, enfim, a dor é companheira porque ela nos revela o que está incongruente em nós. A dor nos motiva à busca de um diagnóstico (no caso médico) e de um conforto (no caso espiritual). Vê aí então se não é possível que não sejamos gratos a ela!

A dor / o sofrimento nos instilam o sentimento pela busca da cura. Da transformação. Da mudança. O sofrimento é um passo importante para essa caminhada - não é o caso de perpetuá-lo, mas enxergar o seu lugar. Não é ver que está se afogando e continuar engolindo água - é dado àquele que se afoga o direito de se salvar, não? Sendo assim, o sofrimento nos faz enxergar uma adversidade que nos motiva (opa!) a sair dessa adversidade. Estou sendo claro?

O sofrimento é o próprio motivo para parar de sofrer. O espinho é o próprio motivo para que ele seja retirado do dedo. Não significa que iremos parar de colher rosas, isso é fácil demais. O desafio é continuar a colheita observando os espinhos e, em uma eventual picada, observar e dizer "gratidão", porque em última instância ainda tenho dedo (rsrs).

É muito mais fácil ser grato no amor que no sofrimento. Se a gente puder perceber que o sofrimento pode nos catapultar para avançar, ah!, a gente não paralisaria nele. O medo não teria mais lugar. Nós temos vários medos - continuando com o exemplo, o medo de se ferir com o espinho novamente. Mas quem foi que disse que a vida é tão somente colher rosas? E como é possível colher rosas sem lhes tocar os espinhos? Como é possível sequer se aproximar delas sem saber a existência dessas farpinhas pontiagudas?

A rosa tem espinhos. O abacaxi tem sua coroa. A melancia tem seus caroços. A estrada tem seus buracos. Vamos então nos paralisar diante da caminhada por medo de machucar nos espinhos? Acho que o que temos que fazer é olhar para esses percalços e agradecer e abraçar. Gratidão pela estrada com os seus buracos, porque eles nos permitem ter mais atenção ao caminho. Gratidão pela rosa e seus espinhos que nos fazem estar atentos na hora de colher.

Gratidão pela escrita deste texto. Gratidão pela sua leitura. Gratidão.