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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Da escrotidão voluntária

Alex Teixeira era um cara de muitas posses. Rico, mesmo, daqueles que esbanjam dinheiro e prata por todos os buracos. Mas, assim como o dinheiro e a prata, Alex esbanjava outra coisa - essa, um tanto quanto mais nefasta e nociva.

Alex, administrador, trabalhou por um tempo como gerente numa fábrica num interior dessas Minas aí - não sei se era Piracema, Pitangui, Piranguinho, Potomaio... Sei lá, só sei que era uma grota; sabe, aqueles lugares onde Judas chegou para descansar porque perdeu as botas no meio do caminho? Pois é, mas o que sei é que era uma cidadezinha tão simpática, tão bonitinha... Dava dó ver uma pessoa como Alex frequentar um espaço como aquele - você vai entender o que quero dizer logo adiante: Alex é uma pessoa que contamina, no mau sentido.

Nesse interior, enquanto trabalhava de gerente da "firrrrma" (ah, o R puxado do interiorrr de Minas é tão bonito...), conheceu uma moça. Delicada e meiga, Rosa ficou interessada do rapaz assim que chegou à cidade. Um burburinho se fez quando Alex chegou - né por nada não, mas o cara era realmente bonito, sabe, meio Alain Delon com James Dean e Marlon Brando (ainda magro). Causou comoção a chegada dele, moças suspiravam, cochichavam o nome dele nas rodas, mas nenhuma tinha coragem o suficiente para chegar nele.

Rosa não fugiu à regra, e resolveu investir no rapaz. Foi investindo daqui, conversando com um amigo de lá, ouvindo conselhos da mãe até que um dia - TUFF!, os dois se encontraram. Começaram a se ver com frequência, passear, tomar sorvete - tudo, antes das 21 horas, porque o pai da Rosa, seu Irineu, era um daqueles matutos duros de dobrar. Nossa Senhora, ô homem difícil de lidar, gente! Não era dado à conversa, mas nunca maltratou ninguém que a gente saiba. O cabra pode ser turrão, mas mal educado? Jamais.

Rosa e Alex começaram a namorar. Noivaram. Casaram. E resolveram se mudar para Belo Horizonte, a capital. Vocês lembram que eu disse que Alex era um cara riquíssimo? Pois é, nos arredores dessa cidade aí onde ele conheceu a Rosa (ai, memória, funciona... era uma cidade indo lá para Araxá, qual que é o nome do diabo da cidade?), ele comprou, antes de casar, uma senhora fazenda. Grande. Imensa. Naquela época que eles casaram, a cana tava em alta, e ele resolveu aplicar os trocentos alqueires em cana. Mas bobo que ele não era, não ficou só na cana, não. Vai que desgasta a terra, né? Resolveu plantar milho e criar gado, também. Era um mar de cabeças de boi que ele tinha - e só boi do fino, só gado Nelore, só coisa de rico, mesmo. Vendia e comprava gado com uma facilidade tal como eu consigo comprar balas na padaria da esquina (quer dizer, antigamente era mais fácil, eram 3 balas por 10 centavos, agora com a crise... xiiii... por isso eu tive que ir às ruas em junho, só dá pra comprar bala agora com 20 centavos! Ó que absurdo...). Alex era rico, mas não era boa gente. Não mesmo.

Quando o Alex resolveu se mudar da cidade pequena para a roça grande, ele comprou um apartamento no metro quadrado mais caro de BH: o bairro de Lourdes, perto da Praça Marília de Dirceu. Ele tinha grana, né, queria impressionar... E comprou o dito cujo. E fez uma surpresa à Rosa, que ficou maravilhada ao ver o tamanho do apê. Ela, que estava acostumada aos pequenos muquifos, às casas pequenas, à humildade do interior, ficou embasbacada com aquilo. Foi o primeiro de muitos embabascamentos que se seguiriam.

Alex, como te disse, não era flor que se cheire - como a Rosa. Na fazenda, ele era conhecido entre os peões como "Alex Mão de Ferro", por causa da sua condução deveras intransigente das coisas que aconteciam no latifúndio. Teve uma vez (olha o naipe...) que aconteceu de ter aparecido um ladrão de gado lá pelas roças dele. E a fazenda dele serve de passagem para outras fazendas e roças menores do entorno. Você acredita que ele chegou a fechar a passagem do pessoal que vai pras outras fazendas com uma corrente, colocou um cadeado e não fez cópia pros outros fazendeiros? Gente, isso foi um tumulto na época! Dona Maria das Graças, fazendeira vizinha, ficou pê da vida e apelou com o Alex. Dona das Graças, uma vez, passava de noite voltando da cidade pra roça quando se deparou com o correntão lá bloqueando o seu caminho. Dona de um temperamento super apimentado e forte, das Graças emputecidamente foi até a sede da fazenda dele e começou a gritar, para todo mundo ouvir:

- SEU FILHO DA PUTA DESGRAÇADO! QUER ME DEIXAR FORA DE CASA, HOMEM PERTURBADO?

(Achei o termo "homem perturbado" bem adequado para definir o sujeito.)

Alex, naquele jeito dele de "eu sei que estou certo e fazendo as coisas que eu acredito serem as melhores sob o meu ponto de vista", explicou o motivo da corrente. E que não tinha feito a cópia porque a chave ficava não com ele, mas com o caseiro.

- Ah, dona das Graças, sabe como é, né?, eu sou muito ocupado e aí não tive como fazer a cópia. Dei lá a chave pro Lalau e falei pra ele guardar com ele.

- E pediu pra fazer cópia?

- Ah, pedi não, sabe, não acho prudente. Vai que qualquer um desatento perde a chave e aí eu fico vulnerável, sabe? Eu não posso ficar vulnerável, tem um tanto de gado aqui e já me roubaram um tanto que eu tenho que ficar cabreiro, sabe?

- Alex, eu preciso passar aqui para chegar lá nas minhas terras, o outro caminho é precário! Porra, vai amarrar uma chave?

- Uai, das Graças, eu tenho que proteger meu patrimônio...

- Melhor proteger a sua cara, que vou moer ela de porrada!

E partiu para cima.

Não era a primeira vez que Alex sofria (merecidamente, diga-se de passagem) algum tipo de agressão. Mesquinho demais com os outros, só pensava nas suas posses. Sua esposa, como eu tinha dito, era uma pessoa que era mais familiarizada com as pequenas coisas da vida - mas ficou muito magoada quando viu seu projeto de jardim na entrada da casa principal dar lugar a um insólito muro de alvenaria. Alex mudara a entrada da fazenda arbitrariamente e, como Rosa só frequentava a fazenda uma vez por mês, ficou indignada.

- Meu amor, mas cadê o jardim?

- Ah, Rosa, sabe?, eu tive que tirar o jardim porque a gente tava vulnerável, sabe, e eu não poderia deixar a casa exposta e...

- Vulnerável? Como, se o Lalau fica aqui na casa do lado sempre de olho... Lalau é de confiança, cê sabe disso...

- É, Rosa, mas nesse mundo não se pode dar brecha, né, tem que resgardar a nossa casa, que é o nosso investimento.

O sangue de Rosa talhou.

- Mas meu jardim...

E Alex atalhou:

- Seu jardim já era! Fiz o que eu tinha que fazer e pronto.

Rosa emudeceu. Passou todo o final de semana sem conseguir emitir uma palavra. Sua vida de simplicidades dava lugar à temeridade do resguardo das posses e domínios de Alex. Não conseguia ser feliz como antes.

Rosa murchara, perdera o brilho e o viço que a mantinham viva ao longo dos anos.

Alex queria filhos, mas a mágoa de Rosa foi tanta que um câncer se alojou entre o ovário e o útero. Deus sabe o que faz, né, já pensou que sacanagem o Alex ter filhos e ele criar desse jeito tão medonho?

O câncer avançou e se alastrou pelo abdome. Rosa tinha que ser submetida a um agressivo tratamento combinado de químio com rádio. Isso, além das vitaminas que tinha que tomar para recompor o organismo, dos corticoides para aliviar a dor, dos analgésicos, anestésicos e tudo o mais que a Medicina Ocidental provê.

Alex gastou boa parte do seu patrimônio, que ele tanto ficou de usura para proteger. Rosa não morreu, mas nunca mais foi Rosa - só sobraram os espinhos.

O resultado da história eu acho que dá pra vocês imaginarem, né?



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