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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A história de mais um Brasileiro

Esta é apenas mais uma história de mais uma pessoa que talvez tenha nascido no nosso Brasil. Se é ficção ou realidade, será você quem vai decidir.

Quando nasceu Maicon Jackson Brasileiro Pereira, terceiro filho Brasileiro Pereira, houve uma festa especial com direito a um grande churrasco no barraco da família na Vila Dom Bosco. Não é que a vinda dos outros dois irmãos não tenha sido especial, mas este era diferente. A felicidade dos pais começou na sala de parto quando o médico anunciou a chegada do filho ao mundo e, ao dar uma palmadinha no bumbum da criança, olhou de relance por duas vezes para o pai, que acompanhava o nascimento.

Após darem o banho e limparem a placenta, colocaram a criança no colo da mãe que, ainda muito inchada, chorou de alegria por receber aquele milagre em seus braços. Não importa se era o terceiro, o milagre da vida era emocionante. Ao saírem da sala, as enfermeiras que limparam a mãe indagaram a paternidade daquele estranho na sala e, após a confirmação, deixaram o pai com a mãe e a criança para curtir aquele momento único.

Os pais entraram em consenso de que aquele ali deveria ter um nome diferente, de artista americano, e resolveram homenagear aquele grande cantor pop para que fosse selado na criança o destino do sucesso. A escolha do nome não obedeceu completamente à regra de seus fraternos José Mariano e João Mário, mantiveram o nome composto mas inverteu as iniciais dos pais: J e M. Dias depois, saídos do hospital, os pais buscaram os dois outros filhos na casa da avó e voltaram, felicíssimos, para o lar. E dá-lhe churrasco! Quase uma semana de comemorações para o mais novo membro da família Brasileiro Pereira, com direito a colo de todas as mulheres, elogios no diminutivo e muita inveja dos vizinhos que sempre saíam cochichando maledicências pelos cantos.

A condição social da família não era das melhores. O pai era frentista e a mãe ajudante de cozinha em uma creche. Com o nascimento de Maicon Jackson, o pai passou a trabalhar em dois turnos e a mãe acabou deixando o emprego ao fim da licença maternidade para cuidar dos filhos. Tinham uma vida difícil e sacrificada, mas contava com a ajuda da sogra que olhava os outros dois mais velhos e ajudava a comprar algumas coisas em casa. A mãe queria garantir o futuro de sua jóia e de seus irmãos, e tentava se doar o máximo para que eles não precisassem passar dificuldades. “Amor de mãe é incondicional”, dizia sempre.

E com muito amor, e sem esquecer os outros dois, a mãe reconheceu e foi lapidando sua joia para um futuro de sucesso. Maicon andou e falou antes que os irmãos. Na creche, e posteriormente na escola, nunca precisou chamar a atenção das tias e das professoras: toda tia queria pegar no colo, todo professor insistia para que ele estudasse um pouco mais, todo coleguinha queria fazer dupla com ele. Diferentemente de Maicon, seus irmãos se destacavam com as professoras e coleguinhas fazendo muita algazarra. A mãe se alternava entre ouvir os elogios a Maicon e reclamações dos outros dois - muitos não conseguiam acreditar que pudessem ser irmãos. Durante o sétimo ano do ensino fundamental, quando alcançou seus irmãos repetentes, se envolveu em uma briga.

Tudo começou quando um colega de classe caçoou de suas roupas surradas de terceira mão, herdadas dos irmãos.

- Ô, mendigo! O bolso da tua mãe também ta furado?

- Pelo menos eu não sou preto! – respondeu e saíram no tapa.

Um dia, no posto de gasolina, o pai foi chamado de corno e isso resultou em uma briga que quase lhe custou o emprego. Para se defender, dizia ter um tio-avô que era branquinho dos olhos azuis. Nunca duvidou da fidelidade de sua esposa e pensava na sorte de ter um filho branco que gerava muita inveja nos vizinhos. O cabelo do garoto, idêntico ao seu, não o deixava duvidar: o garoto era seu filho. Sangue do seu sangue, apesar da diferença na cor. Incomodava-se muito com o comportamento dos outros, com a inveja alheia. Os comentários sobre a cor do garoto o fez pensar em racismo, mas descobriu serem somente as raposas desdenhando das uvas. Afinal, todo mundo queria um filho tão branquinho. Repetiu para si, então, o que escutara de um candidato a vereador que apareceu na vila em época de eleição: “No Brasil não existe racismo, isso aqui é uma Democracia Racial!”.

O “destino” foi muito mais generoso com MJ do que com os JM. Conseguiu terminar o ensino médio e entrou como auxiliar administrativo em uma empresa. Com a ajuda do seu chefe, conseguiu fazer um curso técnico e subiu de cargo. Seu irmão mais velho seguiu o caminho do pai e virou frentista, o outro escolheu o caminho das drogas e morreu aos 21. A mãe, profeta, soube desde sempre que ele estava destinado ao sucesso. Como sempre dizia: “A cor não nega”.


***Esse texto é uma colaboração do psicólogo e amigo Douglas Lisboa. Cópia livre a quem quiser replicar - só citar a fonte. Sem ressentimentos.

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