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domingo, 4 de janeiro de 2015

Onde vivem os monstros?

Em 2009, 2010 ou 2011, não estou muito certo (sei que era fevereiro), fui ao Shopping Ponteio para assistir a Onde Vivem os Monstros. Era o único lugar que, à época, estava ainda exibindo o filme - eu não sou cinemaníaco a ponto de querer ver filme em estreia, me é incômodo. A sala estava vazia, havia no total menos que 10 pessoas. E, se não me engano, era um dos últimos dias em cartaz.

Depois de um bom tempo, resolvi assistir ao filme novamente. Agora, era 2014. Assisti em casa mesmo - graças aos meus 10 mega liberados, consegui rapidamente baixar e vê-lo na minha slim TV de 39 polegadas. (Deixa eu parar com a zueira que o assunto é sério...)

Quando eu vi o filme no cinema, uma singela lágrima escorreu no meu rosto. Quando o revi, não cheguei a chorar, mas senti uma comoção muito forte e intensa.

O filme se passa em um contexto de conflitos. Um garoto que não consegue se enquadrar, se identificar numa dada realidade, acaba tendo acesso a uma realidade paralela. Sem spoilers, o que posso comentar é que o mundo do garoto é muito semelhante a cada um dos nossos mundos internos e interiores: bagunçado, contraditório e cheio de remendos.

Mas Onde Vivem os Monstros não é, pelo menos para mim, uma mensagem de esperança no sentido de "as coisas vão se ajustar". É uma mensagem que diz "cara, você tem um tanto de monstro aí dentro, convivendo com você; dê um jeito nisso se você quiser melhorar a sua vida". Os monstros são os conflitos, são os desejos, as querenças que nem sempre são realizadas (ou realizáveis). O filme, que não deixa de ter toques de surrealismo e realismo fantástico, acaba sendo mais real e realístico do que várias mensagens de autoajuda que estamos cansados de ver, ouvir, ler, assistir.

É um garoto que tem que lidar com o seu próprio mundo interior.
Um mundo interior que, diferentemente do que pensamos, é habitado.
Habitado por muita gente.
As nossas múltiplas e várias personalidades.
Ou máscaras.
Que se ajustam de acordo com o contexto, com a situação, com o momento.

São máscaras. Os monstros são as nossas máscaras. Uma hora somos bonzinhos, mauzinhos, inteligentes, burros, ignorantes, aprendizes, tudo no mesmo "eu", numa mesma mente.

Isso frita a gente de alguma forma, não?

O que nos deixa mais fritos não é a existência em si dos monstros, mas ter que encará-los e dizer "velho, para que tá chato". Para que tá chato. Eu não sou você. Eu não sou o outro. Eu sou além de tudo isso. Para de querer fazer me identificar com você. Para, monstrengo, tá chato.

(Agora, sim, um spoiler.)

Quando no final do filme o garoto sai da ilha onde estão os monstros e volta para casa, a relação com sua mãe melhora sensivelmente. Ele se sente mais disposto a ter um contato melhor com a sua mãe, que era a pedra de tropeço nessa história toda - sua mãe é separada do pai, começa a ter outros relacionamentos e (Édipo explica) começa a rolar um ciúme que desgasta tudo. Por isso ele foge de casa, chega à ilha onde estão todos esses monstrões (cada um de um jeito) e percebe que, assim como Dorothy disse, não há lugar como o nosso lar. E que lar é esse senão o nosso interior?

(Pronto. Passou o spoiler.)

Que formas podemos encontrar de nos descobrir, de nos reformar intimamente, de nos renovar a alma, o espírito, de não cair em contradições? Que formas há para que vejamos as pedras no caminho e que, ao percebê-las, não tropecemos novamente nelas?

Eu gosto muito desse filme que de infantil não tem nada - a não ser a própria interação do garoto com os (seus) monstros, que remete a algo como o que o Cristo uma vez falou: "deixai vir a mim as criancinhas". Não é no sentido da infantilização, mas no sentido de que as crianças são de uma tranquilidade e sinceridade que assusta qualquer adulto - e tais qualidades são deveras fundamentais para que se acesse o "Reino de Deus", ou o nosso próprio interior.



Felicidade nem sempre é o melhor caminho para ser feliz.
(Fala de Judith, uma das personagens.)

Eu tenho refletido um bocado sobre esse assunto de autoconhecimento. Onde Vivem os Monstros é um filme para se refletir nesse assunto. Meus monstros vivem no ego, no orgulho e na vaidade. São monstros que se reconhecem no público, que acham que estar em evidência é sinal de status, de notoriedade, de importância. Meus monstros adoram alimentar-me a fama, o "sucesso", o desejo de ter mais do que se consegue abraçar. Meus monstros são invejosos, porque não percebem que o fato de o outro ser melhor que eu é mérito do outro e que eu preciso melhorar naquilo que me compete e que me cabe - "Deus dá o frio conforme o cobertor", cantou Adoniram; o frio é justamente essa necessidade de reformulação de hábitos, de pensamentos, e tem que ter um mínimo de força para que, diante do frio, nos levantemos e busquemos (no armário ou no pé da cama) o cobertor para nos aquecer do tempo frio. Porque a gente pode, também, escolher sentir frio pelo resto da noite - se a gente sente aquela preguiça, o sono é maior, a gente nem sem mexe e prefere sentir frio que ter que levantar para nos agasalhar. Oras, quantos de nós já fizemos isso... Quantos já deixamos de lado um agasalho por mera preguiça... E preferimos sentir frio do que gastar energia para nos agasalhar.

Monstrinhos, eu sei que vocês estão aí. Eu sei que vocês querem aparecer, querem que eu os considere que vocês são eu. Podem parar onde vocês estão. Sei também que vocês não vão embora da noite pro dia e que vocês vão ficar me importunando. Tudo bem, podem importunar, mas eu também vou fazer a minha parte: quer falar, cês vão falar sozinhos!, porque eu não vou dar mais tanta trela a vocês.

De peito aberto e corpo pleno e inteiro, é preciso juntar desejo e vontade para ter essa transformação. Poxa vida, não é fácil, mas também não é impossível...

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