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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A posse da aposta

Foi com um misto de estranhamento e alegria que recebi uma ligação do cerimonial do Governo de Minas me convidando para assistir à posse do governador eleito Fernando Pimentel. A moça que conversou comigo queria confirmar a minha presença - a qual, claro, confirmei. Todos sabem das minhas críticas ao próprio Fernando, mas um momento como esse não poderia ser deixado de lado.

Minas Gerais foi governada por 12 anos pelo PSDB. A figura de Aécio Neves entrou para o governo em 2003, ficando até 2010 - quando se candidatou ao senado e ganhou a sua vaga; nesse mesmo ano, o falecido (porém honrado) Itamar Franco também foi eleito senador por Minas - só que Itamar faleceu e tristemente deixou seu suplente no lugar: Zezé "helipóptero" Perrella. Quando Aécio saiu, Antônio Anastasia (conhecido e reconhecido professor universitário e, segundo dizem, o verdadeiro responsável pelas ações governamentais que Aécio dizia serem dele) assumiu seu posto, perpetuando por mais quatro anos um ciclo de gestão tucana. Anastasia saiu ao senado, deixando Alberto Pinto Coelho (do aliado Partido Progressista - que, de tal, só tem mesmo o nome) no seu lugar nesse fim de mandato. Hoje, Pinto Coelho entregou a "faixa" para Pimentel.

Não posso dizer "minha nossa, que momento histórico esse!", mas eu também não posso dizer que essa posse e transferência de governo foram qualquer coisa. Porque não foram.

A entrada de Pimentel no Palácio da Liberdade, para a cerimônia de transferência do governo.
Quem assistiu à posse na Assembleia (transmitida pela Rede Minas) pôde minimamente perceber um, digamos, mal-estar por parte do atual presidente da casa em presidir a cerimônia. Dinis Pinheiro (PP, que pode ser tanto Partido Progressista como "Partido dos Pinheiros", já que sua família é uma oligarquia das mais atuantes principalmente na Região Metropolitana de Ibirité) de jeito nenhum iria se furtar a presidir a cerimônia, mas você percebia um certo... desgosto da parte dele em ter que realizar a posse do governador eleito - Dinis foi candidato a vice governador na chapa de Pimenta da Veiga, tucano rival de Pimentel nas eleições. Só lembrando que Pimentel venceu Pimenta com 52% dos votos e em primeiro turno. E só lembrando também que Pimenta estava afastado de Minas há 20 anos, morando em Goiás, e foi (no meu ponto de vista) o candidato mais despreparado dessa eleição. Mais que o Tarcísio Delgado.

Posse realizada, era a hora da transferência de governo do Alberto para o Fernando - e esse evento foi no Palácio da Liberdade. Sob um sol de rachar, acompanhei (de dentro do Palácio) a cerimônia. Na hora da troca, Pinto Coelho toma a palavra - quando o cerimonialista anunciou seu nome, o que se ouvia do lado de fora dos portões eram as mais sonoras vaias. Meio que ressentido, o ex-governador bradou, como suas primeiras palavras, "Viva a Democracia!". Bravo, Alberto. Bravo. Um tanto corajosa essa sua atitude de saudar a democracia. Mas, engraçado, seu predecessores não foram tão democráticos assim, não é? Não me alongarei nisso porque não é essa a proposta.

Tanto no discurso de posse quanto no de transferência, Pimentel reforçou que quer governar fora dos gabinetes e trazer o povão para dentro do governo. Dentro dos jardins do Palácio da Liberdade, eu vi várias pessoas. Poucos conhecidos, é claro, visto que não transito pela política partidária tão forte assim. (Impressionante: mesmo num partido que se diz de origem popular a elite branca e masculina domina...) Eu vi alguns rostos conhecidos e, ao cumprimentá-los, percebi que estão todos com a mesma expectativa que eu: de que esse governo novo possa ser uma boa aposta. Se Pimentel cumprir essa promessa de fazer uma abertura política e participativa do governo, do jeito que nós - população - desejarmos, será meio caminho andado. Se for possível que a participação popular - alijada pelos tucanos - seja o carro-chefe, pode não ser que Minas Gerais se torne um estado ímpar, mas pelo menos diferente do que está com certeza ficará.

(Não, gente, eu não tenho ilusões de que vai ser polianisticamente lindo o governo, mas é preciso haver demonstrações claras de vontade política para o início de uma abertura, de uma transformação. Não se muda nada da noite para o dia, o processo é lento, mas estamos apostando nesse processo; como sociedade civil, eu e as outras pessoas que no Palácio da Liberdade estivemos não estamos cegos com uma crença de que Pimentel vai transformar água em vinho. Tomara que, minimamente, a água não caia em volume morto.)

O governador eleito. O colar da inconfidência, na simbologia da transferência, significa que
- agora sim - ele é governador de fato.

Não se iluda e nem me iludo que a eleição de Fernando Pimentel é uma "virada contra o neoliberalismo", por exemplo (como disseram algumas pessoas) . Ilude-se quem sonha com isso, já que Pimentel é tido como "o mais tucano dos petistas". Todos estão confiando e desconfiando, porque o jogo político requer de nós muita atenção. Porque ninguém esqueceu do filhote de cruz-credo que ele deixou aqui em Belo Horizonte em 2008 - que "começa com M e termina com ERDA". Porque o secretário de Defesa Social que Pimentel colocou é uma pessoa que merece vigilância e, a priori, desconfiança. Não são poucos os motivos para isso, mas não quer dizer que vou ignorar a existência deles e fazer um apoio incondicional ou ver para todos esses defeitos e cagadas e largar para lá, sem deixar a minha contribuição. Por vários motivos, eu estou plenamente consciente que meu apoio ao atual governo é um apoio crítico: vamos em frente, mas olhando para os lados. Sabemos do potencial dessa virada. É a primeira legislatura do PT em Minas Gerais, com uma eleição ganha em primeiro turno - o simbolismo disso é interessante. Podemos enxergar uma mínima mudança "no estado do nosso Estado", como disse Pimentel na posse. Eu também entro no rolê de querer contribuir para isso. Mas, como se diz em Minas, "devagar com o andor que o santo é de barro". Vamos usar o nosso potencial desconfiativo e trabalhar. Não dá somente para ficarmos que nem hienas ("oh, céus, oh, vida").

Vou copiar aqui a fala do meu irmão Luciano Jorge, professor da rede estadual. Com ela, eu concluo meu raciocínio e convoco todo mundo que tiver a fim para somar (e petralhar).

Acho importante qualquer leitura crítica de QUALQUER movimento. Não sou iludido de querer um "We Are The World". Mas, assim, já não sou nenhum menino de achar que tá de boa sair no tapa com todo mundo por qualquer coisa. Eu às vezes prefiro o silêncio do que a tagarelice.  
Acho que às vezes, só às vezes, falta um pouquinho de tranquilidade pra refletir e conversar (ou as duas coisas juntas...) sobre as contradições que estão colocadas. Eu ainda prefiro o encontro com a parte que tá a fim de dialogar (sem carteirada, minimamente consciente de seu lugar na sociedade e tudo mais) do que ficar eternamente no meu monólogo chato, desmobilizador, que não caminha.
E mais: nesses momentos eu ando com muita preguiça dessa esquerda ortodoxa e penso que essa é pior do que certos "religiosos" (se bem que eles pensam na revolução como quem pensa na terra prometida... Eu penso que isso é um problema). Essa ortodoxia desmerece o que pret@s, mulheres, trans e outros tantos grupos andam construindo. 
No mais, notei nesse ano [de 2014] que posso aprender com pessoas completamente diferentes, de origens diferentes, que não precisam gritar aos quatro ventos o que fazem. Elas apenas fazem o que deve ser feito. E eu acho isso valoroso pra caramba. 
Só espero que em 2015 sejamos menos sectários, mais reflexivos, encarando nossas contradições, colocando-as na mesa, assumindo nossos erros e reconhecendo a postura do outro. E, obviamente, sem perder de vista contra quem lutamos. Espero maior espaço pra reflexão, menos pontos finais e mais pontos de interrogação.

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