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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Felicidade? Não necessariamente. Plenitude.

A catarse é assim: primeiro, você vomita tudo, bota tudo de ruim pra fora; depois vem o soro caseiro para aliviar a situação de inanição; e depois você volta a se alimentar, só que de maneira mais adequada, com vistas a evitar o que te fez mal.

Eu e minhas metáforas...

Minhas últimas postagens foram focadas muito nessa reflexão do que fui, do que tenho reconstruído. Do caminho que tenho percorrido para ter um mínimo de sossego interno e poder trilhar um bom caminho. Não é fácil, mas estamos aí, andando adiante.

Me foi pedido que, além de eu colocar à tona a consciência de alguns sentimentos e a forma de como eles persistiram e se modificaram com o passar dos anos, que eu pudesse mudar um pouco de perspectiva, escrever sobre uma lembrança boa, uma situação que me deixou feliz ou um sentimento que eu goste.

Pois bem. Estou aqui eu refletindo sobre isso. E chego a uma conclusão de que perceber as grandes e pequenas felicidades da vida é algo que por muitas vezes não chegamos a nos dar conta.

Deixa eu começar do começo.

Desde o final de 2014, estou tendo algum tipo de contato sistemático com a meditação. Conheci uma galera que se reúne semanalmente para poder refletir não somente no Budismo como "religião", mas como religião no sentido etimológico de "religamento" com o Eterno, o Etéreo, o Ser. E, particularmente, a última reflexão me despertou uma vontade de compartilhar algumas coisas.

A reflexão que fizemos passou por nos situarmos como promotores e responsáveis por uma mudança interna em nós e no ser. Que tal mudança promove liberação de nós e dos outros seres, e de como é bom podermos sentir felicidade nesse sentido. Como é bom podermos estar tranquilos conosco mesmo.

Existe uma coisa no Cristianismo (principalmente católico) que é a figura do Cristo que morreu para nos salvar. Da personalidade que desceu dos céus para nos encontrar e que por meio de um ato de amor nos liberou dos pecados. O que pondero é que, não sei se vocês já chegaram a perceber, mas existe um culto ao Cristo que se encontra no madeiro, afixado, pregado (sem trocadilhos) e em sofrimento. Poxa vida, o Cristo viveu 33 anos, evangelizou bastante, trouxe uma palavra de amor e paz, é um espírito deveras iluminado (assim como Krishna, assim como Buda, assim, como Maomé, como Confúcio e tantos outros) e nós vamos nos apegar, para que não esqueçamos, à sua imagem mais sofrida... Creio ser daí o sentimento que a gente tem de "culpa", e o que se apelidou de "culpa cristã", que já acho que é mais "culpa católica apostólica romana". Mesmo porque há outras vertentes do Cristianismo (Espiritismo, por exemplo) que não contemplam essa imagem de Jesus na cruz; tem um amigo meu, palestrante, que sempre faz questão de lembrar que Cristo também sorria, e que tal imagem é que devia nos seguir - não do Cristo carrancudo... Daí, fui pensando que (olha a minha viagem) pode ser proibido ser feliz porque a gente teria que toda hora lembrar que existiu um ser iluminado que se sacrificou por nós; e tal sacrifício não é, digamos, "feliz"; daí, temos sempre que, em última instância, venerar uma certa humildade revestida de tristeza e dor. Como se ficássemos eternamente de cabeça baixa porque, ao olhar para cima, contemplaríamos o Cristo crucificado e essa imagem nos faria abaixar a cabeça em sinal de complacência.

Tem uma cena (genial!) do filme (genial²!) "Monty Python em busca do Cálice Sagrado" (o meu favorito dessa turma) que faz uma crítica a essa posição de subalternidade:

http://youtu.be/OdT5uO2LPG8?t=23m42s

Semioticamente falando, a gente (por meio da cultural culpa católica) é barrado de ser feliz porque isso talvez seja um ultraje ou ao Cristo crucificado ou ao outro que se encontra em situação pior que a nossa.

Mas... não é modificando a gente que modificamos o ambiente? Que coisa, essa galera tem hora que parece contraditória...

Enfim, estou divagando pra caramba dessa vez. Até mesmo para poder encontrar alguns momentos de felicidade ou, melhor dizendo, no qual eu estivesse feliz.

E é essa a chave que eu quero virar. Que, na verdade, foi uma ficha que demorou a cair para mim.

A "busca pela felicidade" é ilusória. Porque felicidade demais ou tem que ser compensada com o seu oposto ou é inatingível porque iremos sempre querer mais e mais felicidade. Estaremos sempre insatisfeitos, incompletos, e não conseguiremos perceber a grandiosidade dos versos de Gil quando fala que "o melhor lugar do mundo é aqui / e agora".

E para que seja perceptível isso, você não pode (ou não deve) ser alegre ou feliz o tempo inteiro. Porque conceitos de felicidade variam - não são os mesmos os conceitos de felicidade de um gótico e de um hippie, por exemplo. Por ser relativa, eu proponho que em vez de falarmos de felicidade stricto sensu, que possamos pensar para além dela - porque é claro que haverá momentos nos quais estaremos não tão felizes assim.

Pensemos na questão da plenitude como a possibilidade de perceber o que nos alegra, o que nos motiva, o que nos chateia e o que nos impede de caminhar. Se nos detivermos apenas em um desses aspectos, a gente inevitavelmente trava, porque entramos num processo mental tão pesado que é difícil de se desvencilhar. No Budismo, é a Samsara, o mundo como o conhecemos, que talvez possamos dizer que é "caótico". Sabe quando a gente fica imerso no que muitos chamam "Roda Viva"? Quando você acha que vai ser sugado e tratorado pela engrenagem da vida? Pois é, digamos que é mais ou menos por aí. Buscar pela felicidade é entrar na roda do caos, porque:

- você busca felicidade;
- você encontra algo que te faz feliz;
- esse algo que te faz feliz consegue te impulsionar para caminhar;
- chega um inevitável determinado momento que você se "cansa" dessa conquista (um emprego que você queria muito, suou para conquistar, mas depois de entrar nele viu que era, Bino, uma cilada);
- logo, você é acometido de uma frustração porque não era exatamente aquilo que você pensava que era - repito, não era o que você pensava;
- essa frustração te gera angústia;
- essa angústia te faz refletir: continuo aqui ou saio desse processo? (Continuo nesse emprego porque já que lutei muito e abrir mão dele seria "injusto" - olha a culpa aí assolando sua cabecinha - ou saio dele e vou novamente em busca de algo melhor?);
- independentemente do caminho que você vai seguir, você, pela frustração, já saiu do processo de felicidade, você não está mais sentimentalmente ligado àquilo que você tanto queria; tanto continuar do jeito que está como recomeçar é difícil, é doloroso, é desgastante;
- você modifica o seu caminho em busca da felicidade;
- e o ciclo continua.

Quando se tem a plenitude como companheira, em vez da sua mente atuar de forma a pensar que aquilo é o melhor ou não, você dá um passo atrás e percebe que, independentemente da escolha, aquilo te traz crescimento. Te traz formas de você seguir com mais leveza. Você pode estar doente, mas a plenitude te dá formas de, em vez de perseguir obstinadamente a cura somente, perceber o seu processo (como você chegou ali, como você está e como você deseja ficar) temporal de caminhada. Nós temos uma noção muito limitada de felicidade como algo finalístico e teleológico - a própria expressão "em busca da felicidade" diz isso, que futuramente seremos felizes e gozaremos das nossas conquistas. Me lembra um causo do caipira e do cara da cidade. O cara da cidade chegou pro moço caipira oferecendo trabalho na urbanoide, e o caipira questionou.

- Moço, o que eu ganho indo pra cidade?
- Oras - respondeu o cara da cidade -. você vai poder fazer uma carreira.
- Como?
- Você vai trabalhar bastante. E aí vai ficar conhecido.
- Pra quê?
- Pra poder ganhar um bom dinheiro.
- Pra quê?
- Pra poder fazer um investimento, uma poupança...
- Pra quê?
- Pra que seus filhos cresçam com saúde e que você possa investir, por exemplo, numa casa no campo para descansar.
- Mas, moço, eu já moro no campo... Pra que eu vou pra cidade?

Percebem a cilada? O moço da roça sairia da roça para a cidade para, depois de desgastado, voltar para onde ele já estava, a roça. Numa alegoria, é como se estivéssemos querendo sair de um estado no qual nos consideramos insatisfeitos para ir, futuramente, onde possamos estar tranquilos.

Por que, então, não dizemos que já estamos felizes? Ou que tal busca pela felicidade não é teleológica, mas do momento? É pecado dizer que somos felizes com o pouco que temos e com o pouco que somos? Para que ostentar "felicidades"? Odair José já disse: "Felicidade não existe / O que existe na vida são momentos felizes". Eis a chave para enxergar a plenitude: que esse conceito cristalizado de felicidade (material, afetiva, psicológica) é transitória porque é assim que é a vida. Efêmera, transitória, impermanente. Viver cada minuto como se fosse o último não deve dizer respeito a tão-somente viver como se não houvesse amanhã; mas nos revela que ser feliz é do agora, que amanhã podemos ser mais felizes que hoje - mas só poderemos ser mais felizes amanhã se já formos hoje.

Posso dizer que minha primeira viagem a Diamantina, em agosto de 2005, foi um momento feliz. Mas durou aquele momento - e, se eu cair na besteira de ser nostálgico e querer repetir aquele momento, eu vou obrigatoriamente me frustrar.

Posso afirmar que minha primeira viagem de avião, em fevereiro de 2011, foi um momento de excitação tremenda. Pelo olhar da busca da felicidade, para repetir aquele momento eu teria que estar sempre a 30 mil pés de altitude; pelo olhar fraterno da plenitude, a gente percebe que aquele momento não se repete, mas que é possível trilharmos caminhos para que viajemos com mais frequência de avião.

Viagens são momentos felizes. Quando saímos do nosso cotidiano e partimos rumo a outros locais - conhecidos ou não. A viagem pode ter seus altos e baixos, e isso é da vida. Ficar insistindo em só querer que a viagem seja boa é buscar a felicidade; perceber que nessa mesma viagem teve coisas boas e ruins é plenitude. É não se agarrar à sua mente ditatorial e perceber o todo sensorial.

Claro que tive vários momentos de felicidade. Mas todos entravam nessa roda viva cíclica. Mas teve um dia em especial que me marca até hoje e que me deixa feliz dentro desse conceito de plenitude, de saber que foi um evento especial, mas que percebi sob um amor maior. Esse dia foi 7 de dezembro de 2012, quando me foi dada a oportunidade de começar uma vida bem diferente da que eu até então já tinha vivido. Se eu analisar a data pelo viés da felicidade, creio que, como qualquer data, é efêmera e já passou, a meta seria buscar outra coisa para pôr em cima, digamos; pelo olhar da plenitude, é possível de se perceber o quanto que uma data e o seu após trouxe direcionamentos que convergiam diversos sentimentos.

Bom, isso pode ser pauta pra outra matéria porque esse caldo rende. Desligue o motor do carro antes, porque a resenha vai durar...

Em tempo: não estou dizendo que é para esquecermos a felicidade. Estou querendo dar um toque para pararmos de buscar por ela. Esqueça esse conceito superficial de felicidade como algo a conquistar, como objetivo futuro. Perceba que é mais que isso. Mais que ficar perseguindo algo futuro sendo que o nosso maior presente é a oportunidade de enxergarmos o nosso entorno, de sermos gratos com a nossa atual condição; de trabalharmos, sim, pelo aprimoramento, mas começando com o que se tem.

Feliz é aquele que pode começar, recomeçar, perceber-se a si mesmo e caminhar. Isso que eu chamei aqui de plenitude é esse trabalho de percepção, que vai além do que se vê.

Daí você me pergunta se sou feliz. Eu sinceramente titubeio, fico em dúvida. Justo porque felicidade é esse conceito materialmente vago que para muitos podem ser emprego, casa, comida, sexo, filhos etc. Em vez de me perguntar e de se perguntar se estou feliz, pergunte-me e pergunte-se apenas como eu ou você estamos. Não se apegue à resposta, apenas diga o que seu coração está neste momento se comunicando. Captou a mensagem do coração? Pois bem, bem vindo à plenitude. Isso que é o mais legal da história: não é o que você diz, mas como você se percebe quando diz. E isso é um estado que, pelo menos para mim, é mais importante que o sentimento em si. É essa plenitude que vai orientar a gente a caminhar, sim, para um futuro melhor, mas que já se inicia no primeiro momento da nossa percepção.

E o que te faz feliz, Bruno?
Acho que é a possibilidade de enxergar isso tudo. Para além das coisas que me movem, como trabalho e amor, é perceber a consciência de que a falta de alguns elementos me deixa mais triste ou chateado. Mas é justamente não me levar pela chateação. Essa tomada de consciência me deixa desperto inclusive para correr atrás das coisas e das pessoas que me são importantes, sem me deixar levar pelo peso da responsabilidade. Essa consciência, talvez, é o que me deixa feliz.

Por isso, gente, reflitamos sempre sobre os versos de Gil:

O melhor lugar do mundo é aqui
E agora.



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