Páginas

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Joaquim Barbosa, o transparente negro

Vi um post outro dia no Facebook que me incomodou deveras:


Sei que estamos todos colocando o Joaquim num pedestal e o louvando como mártir. A principal discussão sobre esse post é o mérito às cotas. Que o fato de o Joaquim ter chegado a um alto cargo no STF sem a necessidade de bonificações por ser negro parece desconstruir o discurso pró-cotas. Espere um minuto.

Eu vou argumentar com meus achismos, como todo mundo sempre gosta de fazer – são achismos que partem da percepção que tenho diante desse problema, de desmerecer um processo inclusivo porque o outro (excepcionalmente) não se utilizou do processo. 

A primeira coisa é dizer que o Joaquim não é negro. Uma falácia que se desmente ao primeiro olhar e que desconsidera todo um processo histórico de perdas, deméritos e depreciações. Basta olhar para o Joaquim e ter certeza de que ele é, sim, negro – a cor da pele dele é escura, é café, é chocolate, é morena; utilize-se do eufemismo que você quiser, mas ele é preto. Pode parecer que o sentido de “transparente” tenha a ver com como ele lida com o julgamento do Mensalão –nunca antes da história desse país um julgamento no STF teve tanta mídia e discussão. Mas eu interpreto esse “transparente” como uma forma de retirar Barbosa da sua condição de negro. E negar a negritude é o que fazemos dia após dia – “esse moreno aí”, “essa menina escura”, “esse rapaz de cor”. 

Segunda coisa: o fato de haver um Joaquim Barbosa como Ministro do STF não deve servir de pauta para uma discussão contra cotas. Barbosa é exceção num universo de pessoas de cor branca – essa expressão “de cor” também se aplica aos brancos, porque, convenhamos, branco também é cor e aplicá-la somente aos negros fica uma coisa estranha. Se existe toda uma redoma histórica na vida dele, dizendo que conseguiu vencer na vida oriundo de uma família pobre e etc., não podemos simplesmente virar as costas à discussão das cotas por causa de uma exceção. Sim, Joaquim Barbosa, esse negro que está sendo venerado por nós todos, é uma exceção. Em um país onde mais da metade da população se considera negra ou parda, ter apenas um ministro negro é menos do que podemos atingir e alcançar. Repare na composição atual do Tribunal. Faça as contas: se são 11 ministros, sendo um negro, a porcentagem da representatividade negra no STF é bem inferior àquela da população – menos de 10 por cento. Repito: o fato de Barbosa não ter precisado de cotas não significa que uma pessoa também negra, também de origem humilde, também inteligentíssima, não necessite de cotas. Estamos falando de garantir oportunidades a quem não as teve, equiparando-as e reparando essa parte da sociedade que por longos invernos não pode alcançar lugares menos indignos. 

 Mas aí você me pergunta: “e no seu caso, Bruno?”. Sim, sou negro, tenho curso superior e não dependi de cotas. Mas o fato de eu não ter precisado de cotas, de ter tido uma família que me apoiou para poder ter uma educação decente, não tira o direito de outra pessoa que não teve as mesmas oportunidades que eu de ter acesso à educação por meio de um programa de facilitação desse acesso. Eu não precisei de cotas porque o Colégio Militar de Belo Horizonte, escola pública federal, me deu uma excelente base para que eu pudesse passar de primeira na Universidade Federal de Minas Gerais. Mas quem estuda em outras escolas do sistema público (estadual, principalmente, que é onde está o Ensino Médio) tem iguais condições de competir comigo? Querer retirar a oportunidade de um grupo social por causa de uma exceção é, no mínimo, cruel. Cotas não são critérios de promoção à desigualdade, mas uma forma de equiparar aqueles que não têm condições de competir em pé de igualdade com o status quo. 

 Se Joaquim Barbosa chegou onde ele está, é claro que foi por mérito próprio. E por portas que lhe foram abertas ao longo do caminho. Se eu cheguei onde estou, também foi por eu ter corrido atrás. Quantos “neguinhos” ficam aí para trás porque justamente essa porta que nós atravessamos encontra-se fechada? Em vez de apontar o dedo para uma questão de exceção, vamos ajudar para que essa exceção vire regra?

2 comentários:

Anônimo disse...

A questão das cotas eu resolvo assim: PORQUE ELE É O ÚNICO NEGRO NA ALTA CORTE? Daí a importância das cotas, para haver mais negros na ALTA CORTE.

Bruno Vieira disse...

Na Alta Corte e em todo o lugar onde se pretende estar.